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À RECONQUISTA DA LUA

Atualizado: 23 de jul. de 2020


DA CORRIDA ESPACIAL À ATUALIDADE: O QUE MUDOU, PORQUE MUDOU, E COMO A INICIATIVA PRIVADA POSSIBILITA OS PLANOS ATUAIS.

Em Dezembro de 1972 uma era chegara ao fim. A missão Apolo XVII - sexta e última missão tripulada à Lua – marca o término de uma das etapas gloriosas da história recente da nossa espécie. Os seus artefactos são ainda hoje fruto de debate científico, e a tecnologia que direta ou indiretamente ajudou a desenvolver é o alicerce da sociedade em que vivemos. Assim sendo, porque parámos?


Durante o período da denominada corrida espacial, um conjunto de condições favoráveis emergiu. Vivia-se o período da Guerra Fria, em que as duas superpotências mundiais equilibravam-se numa ténue linha de poder.


A corrida ao armamento nuclear e consequente desenvolvimento de misseis balísticos intercontinentais capazes de percorrer a distância entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) permitiu desenvolver a tecnologia necessária para colocar objetos em órbita da Terra. O primeiro teste bem sucedido com tal tipologia de equipamento - um foguete soviético R-7 - ocorrera em 1957. Três meses depois, o primeiro satélite artificial da história – Sputnik – era colocado em órbita pela URSS, abrindo uma caixa de Pandora. As possibilidades de observação das movimentações inimigas a partir do espaço eram virtualmente ilimitadas, pelo que a supremacia neste sector tinha um potencial desequilibrador neste equilíbrio instável. Os EUA conseguem igualar este feito três meses depois, no início de 1958, com o satélite Explorer I. Começara assim a corrida espacial.


Sputnik - primeiro satélite artificial da história (impressão artística)



Satélite Explorer I e lançador (impressão artística)


A crescente tensão entre as duas nações e a perspetiva de militarização do acesso ao espaço coloca o tópico na agenda dos dois regimes antípodas, elevando um sentimento de orgulho nacional e canalizando uma grande porção de recursos para conquistar a supremacia neste campo. Estavam assim reunidos os ingredientes necessários à consumação de um esforço megalómano: tecnologia disponível, aplicação crítica ao nível da segurança nacional, e aceitação popular, o que levou à existência de vontade política personificada por lideranças carismáticas e consequente canalização de fundos e recursos para este esforço.


Contudo, tais fatores não mais voltaram a estar reunidos desde meados da década de 70. Nomeadamente, a aceitação popular para a canalização de recursos públicos com vista a tais façanhas. Nos anos mais exigentes da corrida espacial, o orçamento da agência espacial norte-americana (NASA) atingiu valores acima dos 4 % do orçamento federal, no qual a grande maioria era canalizada para o programa Apollo. Tal contrasta com o investimento de aproximadamente 1 % no período de desenvolvimento do Space Shuttle e construção da Estação Espacial Internacional (ISS). Atualmente, o orçamento da NASA representa menos de 0,5 % do orçamento federal dos EUA.



A tipologia de desenvolvimento da tecnologia espacial é, por inerência, morosa e dispendiosa. Desde logo, porque envolve componentes que precisam de sobreviver a um ambiente inóspito e agressivo, onde são sujeitos a inúmeras agressões do ponto de vista estrutural, térmico, e de radiação. A teia adensa-se ainda mais quando o equipamento tem como objetivo transportar seres humanos, juntando-se várias camadas de sistemas redundantes com testes criteriosos que pretendem assegurar que nada falha. Assim, juntando tamanha complexidade com a inerente necessidade de agências espaciais estatais prestarem contas aos seus contribuintes e demonstrarem que tais investimentos avultados são realizados de forma segura e criteriosa, é expectável que o desenvolvimento de tecnologia espacial seja moroso quando apenas sustentado em investimento público. Tal é de premente evidência quando, aos olhos da população, existe um sem-número de áreas da esfera estatal cujas necessidades necessitam de ser suplantadas com muito maior prioridade.


A inclusão de entidades privadas no sector espacial não fora sempre uma realidade. Devido aos elevados custos de desenvolvimento e reduzido rol de aplicações comerciais, os esforços monetários eram maioritariamente públicos até à viragem do milénio. Os custos de entrada no mercado e desenvolvimento de tecnologia eram simplesmente proibitivos, tendo apenas um punhado de empresas conseguido estabelecer-se graças aos processos de transferência de tecnologia, centrando-se na produção e desenvolvimento de componentes em larga escala. Eventualmente, a necessidade de um mundo mais próximo e interligado providenciou a oportunidade para estes e outros atores ingressarem no mercado das telecomunicações com a produção de satélites. Eram assim possibilitadas as comunicações por satélite – primeiro de índole militar, e depois civil –, incluindo depois outros serviços como a televisão e a internet.


Blue Moon (impressão artística)


No entanto, os custos de entrada neste mercado continuam a ser demasiado elevados, relegando o ponto de breakeven para uma década após o investimento inicial, acarretando um elevado risco. No entanto, com o advento da miniaturização da tecnologia e comercialização da oferta de lançamentos, foi possível reduzir os custos de entrada neste mercado. Novas constelações de pequenos satélites ligados à observação da Terra e a promessa de um futuro no turismo espacial abriram as portas à era do New Space. Tal permitiu um aumento nunca antes visto de entidades privadas ligadas ao sector espacial, nomeadamente devido ao grande número de oportunidades de negócio a elas subjacente.


Estamos de momento perante um ecossistema privado que complementa algumas das necessidades dos atores estatais, providenciando os meios para as viagens a um preço muito mais reduzido, podendo assim as agências espaciais forcar-se na exploração e ciência das missões. Neste âmbito, o programa Artemis da NASA confia agora no aumento das capacidades deste ecossistema, financiando as melhores soluções ao abrigo do programa Commercial Lunar Payload Services (CPLS) [ref.]. Desta forma, a NASA delega em entidades privadas a entrega de payloads críticos à missão de retorno à Lua em 2024 como rovers, módulos de serviço e habitats. Esta nova abordagem permite não só partilhar o risco de desenvolvimento tecnológico ao financiar várias soluções para fins semelhantes, como também fomenta o desenvolvimento de tecnologia com imenso potencial para futuras aplicações comerciais tanto na órbita da Terra como em viagens interplanetárias.



Esta abordagem é também motivada por uma mudança de paradigma. O esforço do retorno sustentável à Lua bebe dos ensinamentos que a cooperação internacional providenciou com a ISS, bem como da experiência de permanência em órbita por longos períodos – até mesmo anos – nesta estação orbital. O esforço exploratório que se adivinha aparenta ser mais consertado que nunca, envolvendo a cooperação entre entidades públicas e privadas americanas, incluindo cooperação estratégica com as agências espaciais europeia, russa, japonesa e canadiana no desenvolvimento de uma estação espacial lunar – Gateway [ref.].


Estamos agora assim numa era em que o divisionismo não reinará, e em que somente um esforço conjunto permitirá chegar mais longe.



José Pedro Ferreira

18 de Julho de 2020


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