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A ASCENÇÃO DOS PEQUENOS FOGUETÕES



DOS PRIMÓRDIOS À CORRIDA ESPACIAL, ATÉ AO PARADIGMA ATUAL: UM BREVE PÉRIPLO PELA HISTÓRIA EM QUE SE CONCLUI QUE MENOS, POR VEZES, É MAIS.


O foguetão enquanto veículo aeroespacial será certamente conhecido pelos feitos que permitiu ao Homem atingir, sendo o seu propósito e características visuais de conhecimento comum. No entanto, o significado do termo “foguetão” acarreta algumas especificidades dignas de nota. O vocábulo, de acordo com o dicionário da Porto Editora [ref: www.infopedia.pt ], define não surpreendentemente um “foguete grande”. No entanto, por entre as demais definições, a seguinte prima pela sua precisão não só semântica como científica:


“veículo propulsionado pela impulsão obtida da reação da matéria ejetada, previamente armazenada no seu interior, que atinge grandes velocidades e é utilizado principalmente para transportar satélites artificiais e lançá-los em determinada órbita, para exploração do espaço cósmico”


Em primeiro lugar, é desde logo efetuada a desambiguação acerca do que é um foguetão. Ao invés do que muitos concebem, nem tudo o que vemos erguido na vertical com o glorioso semblante de missão espacial é, de facto, foguetão. O foguetão é o veículo que transporta uma determinada carga, pelo que existe uma unidade independente no seu interior a ser transportada. À semelhança de uma embarcação ou veículo motorizado terrestre porta-contentores, o foguetão tem também ele como missão transportar uma determinada carga de um ponto no espaço para outro.


O foguetão é impulsionado por um ou vários motores de foguete, utilizando a impulsão gerada pela ejeção de matéria a altas velocidades como resultado de uma combustão. Nas configurações mais comuns, são utilizados elementos químicos como combustível e comburente. No entanto, ao invés dos motores de combustão interna presentes nos automóveis, o ar não entra na equação enquanto oxidante, permitindo a sua utilização em ambiente espacial, onde predomina o vácuo. Assim, à luz da tecnologia atual, este método assume-se como ideal para impulsionar cargas a altas velocidades na atmosfera, como requerido para disparar um míssil ou colocar um objeto em órbita terrestre.



Desde os primórdios das grandes civilizações clássicas que são reportadas algumas experiências envolvendo gás comprimido sob a forma de vapor que, quando expelido, exerce uma força reativa. No entanto, apenas com a invenção da pólvora por alquimistas chineses no fim do primeiro milénio foi possível começar a teorizar acerca de eventuais aplicações bélicas. As primeiras poderão atribuir-se à invenção de flechas propelidas por pólvora, permitindo-lhes atingir maior velocidade e cobrir maiores distâncias para atingir o inimigo.


Ao longo dos séculos, o conhecimento da pólvora e novos métodos de trabalho do ferro aprimoraram a técnica bélica. Na década de 1790, o exército do sultão Tipu – governante de Mysore, no sul da Índia – utiliza pela primeira vez contra as forças imperiais britânicas foguetes propelidos por pólvora, lançados a partir de uma câmara de combustão em ferro. Na primeira demonstração de um armamento militar que hoje conhecemos como morteiro, estes projéteis explosivos conseguiam cobrir distâncias até 1 km, estando alocados a uma força específica de infantaria.


A história moderna dos motores de foguete confunde-se com a primeira utilização, no início do século XX, da forma que hoje em dia temos como característica para os motores de foguete: o bocal em forma de sino. Tal aplicação foi primeiramente proposta pelo engenheiro norte-americano Robert Goddard, que utilizou uma tubeira convergente-divergente com forma de ampulheta assimétrica para expelir os gases provenientes da câmara de combustão após ignição da pólvora. Tal forma permite aumentar a eficiência do método de propulsão, tornando possível o transporte de cargas mais pesadas por parte do veículo.


Modelo de um motor de foguete com tubeira convergente divergente. Créditos: Smithsonian National Air and Space Museum.


Experiências seguiram-se com a utilização de propelentes líquidos na década de 20, em detrimento da pólvora sólida, e com o desenvolvimento de todos os componentes associados ao aumento de pressão na câmara de combustão com vista à obtenção de maior impulso. Goddard junta à tubeira o desenvolvimento de pequenos compressores, sistemas de refrigeração, e redirecionamento dos gases de escape para melhor controlo do veículo em voo. Nasce assim o conceito de motor de foguete moderno.


Cientistas alemães, incluindo Wernher von Braun, dedicam-se então à investigação destas mesmas tipologias de motor com propelente líquido, sendo capazes de desenvolver armamento de elevado poder destrutivo. O expoente máximo deste desenvolvimento durante a II Guerra Mundial é o míssil balístico V-2, o primeiro da história, que conseguia transportar cerca de 1000 kg de explosivos a uma distância de 300 km. Primeiramente lançado pelos alemães em 1944 com a finalidade de atingir território inglês, foi o primeiro exemplo de um foguetão de estágio único com capacidade de fazer descolar a massa de 12500 kg.


Com o fim da guerra, a tecnologia alemã vem inevitavelmente a ser utilizada pelos vencedores do conflito nos seus projetos de desenvolvimento de armamento. Ao passo que grande parte da equipa de von Braun deserta para os Estados Unidos da América (EUA), levando consigo conhecimento técnico e hardware original para construir e desenvolver os misseis V-2, as forças da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) ocuparam as unidades de produção dos mesmos e replicaram-nas em seu território.


Durante o período que se seguiu começou a denominada corrida espacial em que as duas superpotências mundiais que emergiram do conflito anterior se equilibravam numa ténue linha de poder. Vivia-se então a Guerra Fria. A corrida ao armamento nuclear e consequente desenvolvimento de misseis balísticos intercontinentais capazes de percorrer a distância entre os EUA e a URSS foi o catalisador do desenvolvimento dos foguetões espaciais. O foguete soviético R-7, classificado como o primeiro míssil balístico intercontinental da história, operou pela primeira vez com sucesso num voo de teste em 1957. Três meses depois é utilizado para lançar o primeiro satélite artificial da história – o Sputnik. O design deste foguete e de, mais tarde, todo o programa espacial russo fora liderado por Sergei Korolev. O então foguete R-7 foi o benjamin da mais longa linhagem de lançadores da história, dando origem a diversos foguetões que lançaram, entre outras, as missões Sputnik 1, Vostok 1 – primeiro Homem no espaço, com Yuri Gagarin –, e Luna 2 – primeiras sondas a atingirem a superfície lunar.


Família de foguetões R-7


O membro sénior desta família, ainda hoje em plenas funções, é o foguetão Soyuz nas suas demais variantes que mantêm a mais singular característica familiar – a cruz de Korolev, padrão desenhado nos céus quando os seus tanques externos são ejetados em voo. Este foguetão, juntamente com a cápsula espacial homónima, foram o único meio de acesso à Estação Espacial Internacional desde a retirada de operação do vai-vem espacial e até à missão de demonstração de Junho de 2020 por parte da Space X com o foguetão Falcon 9 e a cápsula Crew Dragon.



No entretanto, a equipa de von Braun, levada para os EUA no âmbito da Operação Paperclip, prosseguiu o desenvolvimento do V-2 tendo criado o foguetão Redstone. Este tornou-se no primeiro míssil balístico intercontinental a transportar uma ogiva nuclear, em 1958. No mesmo ano, uma variante sua de nome Jupiter/Juno colocaria o primeiro satélite americano em órbita – o Explorer I. Desenvolvimentos seguintes tornaram-no no veículo de lançamento do programa Mercury, que culminou com o pináculo do primeiro americano em órbita.


Neste ponto, a corrida espacial encontra-se no seu auge, e um novo objetivo coloca uma folha em branco à frente dos dois engenheiros-chefe: conceber um foguetão de raíz para colocar uma tripulação na Lua. Neste ponto, toda a experiência adquirida até então era válida, mas não seria possível continuar o desenvolvimento de plataformas anteriores. Uma nova solução teria de ser concebida de origem para tal propósito.


Assim nasceram duas colossais máquinas tecnológicas. Enquanto von Braun propõe o Saturn V, Korolev apresenta o N1, máquinas com peso bruto à descolagem superior a 2500 toneladas. Estas apresentam desde logo duas soluções completamente distintas no que concerne à filosofia de motorização. O primeiro estágio do Saturn V seria impulsionado por 5 motores Rocketdyne F-1, muito maiores e complexos do que qualquer motor desenvolvido anteriormente. Em contrapartida, o primeiro estágio do N1 utilizava um conjunto gigantesco de 30 motores NK-15 que, apesar de possuírem dimensões em linha com o que tinha sido produzido até então, apresentariam outros desafios relacionados com a qualidade de manufatura e fiabilidade de um sistema com tantas variáveis.


Foguetão Saturn V, com 5 motores F-1


Foguetão N1, com 30 motores NK-15


Com a morte de Korolev em 1966, o programa espacial russo sofre um grande revés, não tendo o foguetão N1 completado um único voo bem sucedido. Uma das suas quatro tentativas, em que o foguetão embateu na plataforma de lançamento poucos segundos após a descolagem, permanece na história como uma das maiores explosões não nucleares de sempre. Por sua vez, o Saturn V continua até hoje como o maior e mais potente foguetão a ter operado, tendo todos os seus voos sido bem sucedidos.


Desde o fim da corrida espacial que a propulsão por motor de foguete tem sofrido uma evolução mais sustentada e paulatina. O vai-vem espacial potenciou o desenvolvimento de motores reutilizáveis, ou com mínimas necessidades de reparação após voo, o que criou as bases para desenvolvimentos atuais como os motores Merlin que equipam os foguetões Falcon 9 da Space X. A possibilidade de reutilização de lançadores espaciais foi contruída com base em anos de experiência em órbita. A própria filosofia de motorização utilizada pelos principais responsáveis de desenvolvimento de foguetões alinha-se com a utilização de um conglomerado de motores mais pequenos como apresentado no foguetão N1, em detrimento da solução do Saturn V. A utilização de novos materiais e técnicas de produção, como a impressão 3D e o desenho para produção em massa, permitiu ainda tornar o foguetão num veículo muito mais generalizado e adaptável a diversos tipos de carga útil, ao invés da solução extremamente personalizada e adaptada aos requisitos do cliente que assumia no passado.


Assim, abriram-se portas para outros mercados, como o dos pequenos satélites, incitando a redução dos preços de acesso ao espaço. O modelo centra-se na produção de foguetões de reduzidas dimensões que visam colocar pequenos satélites nas órbitas que pretendem, ao invés de se sujeitarem às órbitas onde obrigatoriamente teriam de operar por serem passageiros secundários de um lançamento dedicado a uma outra carga mais importante e dispendiosa.


Várias empresas de pequenas dimensões tentam entrar neste mercado que outrora era apenas povoado por gigantes. A grande estrela é a Rocket Lab, tendo efetuado o seu primeiro lançamento comercial em 2018. Desde a China à Índia, encontramos pelo menos uma dezena de iniciativas que pretende introduzir lançamentos comerciais ao nível dos pequenos lançadores, com avultados apoios estatais. Nos EUA, existem ideias e investimentos para todos os gostos, desde um exótico sistema de lançamento utilizando um acelerador centrífugo proposto pela SpinLaunch, até aos lançamentos aéreos introduzidos pela Virgin Orbit que esteve muito perto de provar a sua funcionalidade em Maio de 2020. No nosso quintal europeu, companhias como a Orbex e a PLD Space preparam-se para demonstrar os seus foguetões no próximo ano. Em Portugal, existem também esforços a ser desenvolvidos nesta direção com os projetos Caravela e Viriato.


Peter Beck, fundador da Rocket Lab, ao lado do foguetão Electron


Todos estes desenvolvimentos desembocam na necessidade de desenvolver pequenos portos para lançamentos espaciais, englobando entre outros os esforços nacionais para a criação de instalações para o lançamento de pequenos satélites a partir da ilha de Santa Maria, nos Açores [ref: https://ptspace.pt/pt/acores-islp/].


Vivemos assim em tempos de rutura com o passado e desenvolvimento de novos paradigmas, quer económicos quer tecnológicos. A evolução que se adivinha para a próxima década, com a introdução dos pequenos lançadores, estará facilmente ligada à maior revolução no setor dos últimos 50 anos. Serão certamente tempos de interesse acrescido, em que os céus se iluminarão mais frequentemente.



José Pedro Ferreira

1 de Novembro de 2020


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