O que se passa no mundo?
Nestes tempos, é preciso andar muito distraído para não ver o turbilhão de imbróglios em que nós, humanos, estamos metidos neste único e pequeno planeta. É obvio que as crises emergem e irão emergir. Como aconteceu no passado, é a insatisfação da maioria, os conflitos e as crises que geram revoluções que abalam os sistemas estabelecidos. Mesmo as inovações geraram revoluções industriais, alteraram os centros de poder e a geoestratégia.
Os detonadores são tantos que a explosão é certa. É dinamite ecológica, climática, política, social, económica, tecnológica e até viral. A insatisfação é geral. A divisão em tribos globais é cada vez mais intensa. Os conflitos são provocados e alastram facilmente com as redes sociais. As barricadas instalam-se entre a tribo de quem tem muito capital e a dos que pouco têm; entre os povos do hemisfério sul e os do norte; entre os extremos da esquerda e os extremos da direita; entre os jovens que não conseguem ver o futuro, os velhos sem presente, e a geração que defende o status quo.
Desde a primeira civilização foram as guerras, inovações e revoluções a alavancar as sociedades humanas para novos contextos sociais e económicos. E o futuro não será diferente. Como sempre, a maioria dos humanos arrasta-se cega numa monótona passividade até à ficar na borda do precipício e do desespero. Não vê nem quer ver. Mas, parece óbvio que o padrão de mudança irá continuar mesmo que a maioria se sinta confortável na sua bolha ilusória e seja cética ao que escrevo neste texto.
Hoje, as televisões ocupam quase todo o tempo de emissão com notícias da pandemia em curso. É quase uma distração. O covid-19 é afinal menor de que outros problemas de saúde e sobrevivência. Estão a morrer mais pessoas por outras causas, sejam ataques cardíacos, a poluição, a fome ou problemas neurológicos. Não interessa divulgar para se saber. E só a onda Covid-19 irá gerar uma crise económica e social como não víamos há muitas décadas.
Imagine-se a destapar a caixa de pandora dos outros problemas ainda mais graves, muito piores do que a pandemia (risco de mais mortes) como serão as catástrofes do ecocídio global (apenas leva a extinção humana); as alterações climáticas; as migrações Sul-Norte e os conflitos que irão gerar; a falta de água potável onde a população aumenta sem controlo; as atuais guerras de reposicionamento geoestratégico dos grandes blocos; o definhamento da União Europeia (EU) com os seus próprios egoísmos nacionais; o resultado da eleição americana de novembro; a revolução tecnológica em curso…
E no Futuro próximo?
Apenas referindo a revolução tecnológica, surge a séria ameaça de liquidar emprego a milhões e milhões de pessoas tal como é concebido. E a maioria dos profissionais com atividades mais rotineiras e passiveis de automação ainda não o sabem. Os EUA e a UE irão reindustrializar-se novamente, mas agora com as novas capacidades da inteligência artificial e da automação, com suporte de energia muito barata (de fontes fósseis nos EUA; de fontes renováveis na EU). Os novos processos de produção e de retalho não precisam de mão-de-obra pouco especializada, nem barata. Os novos processos irão produzir com custos muito inferiores aos que a China consegue produzir. Sem ocupação profissional, poderão ser milhões a revoltar-se ou anular-se. Se não se conseguirem adaptar-se ao novo mundo, a maioria dos humanos terão de ser mantidos mansos em casa, vivendo como vegetais defronte de uma TV ou de uma rede social. O negócio do entretenimento irá crescer muito, e o topo dos artistas e jogadores serão multimilionários.
Como no passado irá emergir a solução que irá formar um contexto económico, dinâmico e bem-sucedido. Mas, será muito distinto dos contextos em que vivemos hoje ou no passado, considerados pela maioria como imutáveis e inabaláveis. Como estão iludidos, os processos sociais e económicos em que vivemos entraram já em decadência. É por isso que tanta gente não aceita a mudança em curso e se agrega em movimentos sociopolíticos muito espampanantes, embora sem conteúdo construtivo porque ilusórios. Nada disto é novo. Não há que entrar em desespero. É provável que antes de melhorar todas as envolventes em que vivemos estas irão piorar. Mas, é agora que se tomam medidas para o momento após o rescaldo de provável rotura social e económica.
Vive-se em sociedades consumidoras a competir intensamente a produzir e vender. Mas, os recursos do planeta são limitados. O modelo desperdiça, envenena tudo sem restrições, acumula lixo e gases venenosos. A motivação é o lucro a vender. Interessa o imediato, não as consequências nem o Bem Comum. Trata-se de um modelo económico que pressupõe o planeta como infinito, mas foi criado numa época de expansão colonial, sem limites geográficos conhecidos para abastecer uma restrita população consumidora (a ocidental). Mas, esse contexto mudou. Esse modelo foi replicado por todo o planeta e, este, é demasiado pequeno para tanto. Ou muda o modelo económico ou tudo se extingue, privilegiados incluídos.
Não se sabe o que será o futuro, mas configura-se que será muito mais desmaterializado, porque digitalizado e automatizado. A produção deverá ser extremamente racionalizada, sem produção em massa de grandes séries, mas produção local e no momento (impressão 3D) ou de bens de elevada complexidade para uso e partilha intensiva, concebidos para a reutilização (economia circular). A produção agrícola será em boa parte produzida em grandes quintas verticais nos grandes centros urbanos, os quais irão crescer e concentrar mais população. Esta concentração ajuda a minimizar o consumo de energia devida a fontes fósseis, a partilhar o transporte público e a criar ambientes orientados para a criatividade e o conhecimento pela elevada interação humana.
Os empregos do próximo futuro terão pouco a ver com os atuais, tão certos para tantos. A produção baseada em cadeias de ações rotineiras e simples será transferida para robôs. Mesmo as profissões de serviços hoje muito bem pagos, como a medicina, a contabilidade ou a consultoria jurídica serão muito afetados. Para a população, o tempo liberto da produção pouco eficiente pode ser usado para desenvolver atividades que serão muito valorizadas, como as relativas à cultura, criatividade ou toque humano (como cuidadores de crianças ou de velhos). São e serão as economias que produzem de bens e serviços de alto valor, as mais ricas, que valorizam as profissões que suportam a tecnologia, a inovação, a eficiência e são as reais criadoras de valor para as sociedades. É o caso do reconhecimento da engenharia e das ciências aplicadas, do design, da matemática, da gestão produtiva e criativa, o marketing e a formação aplicada. As economias pobres desprezam.
E com o imobiliário?
O imobiliário é e será uma atividade crucial quando vista como produtora e gestora de ambientes para o uso humano. Note-se que o ambiente é essencial para um mundo onde a riqueza depende da capacidade intelectual e interação humana. Neste âmbito, o setor imobiliário tem potencial para crescer até ao infinito. Mas, onde o imobiliário é tido como produtor de imóveis para venda, o destino deverá ser a decadência pelo esgotamento contínuo de mercado (exceto os nichos como o luxo), na falta de inovação e de financiamento em condições de preço e risco controlado.
No espírito da nova Era, o produto líder não serão imóveis novos para venda edificados a partir da construção tradicional que, em Portugal, entrou num descontrolado processo de custos e competitividade.
Como o objetivo será minimizar o desperdício de energia e maximizar a partilha e o uso, obviamente que o produto líder será a venda de serviços residenciais e outros em imóveis existentes reabilitados. Atenção, reabilitação deve ser um processo como é considerado em países ricos como a Alemanha ou Dinamarca, e não em Portugal onde o desperdício e o consumo de energia são superiores à construção nova. As exigências burocráticas e legais, assim como o conservadorismo dos agentes, são tais que a reabilitação de edifícios nas grandes cidades tende a ser um exercício de aparências (fachadas) obrigando a estruturas de contenção em betão armado ainda mais robustas e complexas do que a alternativa em edifícios novos. Desperdícios de país pobre.
Na economia de sucesso nas próximas décadas, não será a produção de bens tangíveis que trará a verdadeira riqueza. Será antes a produção de bens intangíveis. O imobiliário irá acompanhar esta tendência. Ao contrário do que se faz hoje em Portugal, a criação de valor não está na execução (exceto para alguns empreiteiros). A criação de valor estará em todo o processo a montante da produção do tangível. Antes da obra, o que marcará a diferença na eficiência e no valor extra, assim como nos meios para atração do investimento externo, está em atividades como o plano de negócios, a criação do conceito imobiliário, o marketing, a coordenação, a arquitetura, a engenharia, a medição e orçamentação, o contrato, o controlo.
Terá também de mudar tudo como decorre o processo de empreendimento imobiliário. Hoje, sem inovação nem renovação dos processos, na manutenção do status quo, todos os agentes do setor parecem arrastar o setor para o fundo numa contínua decadência. Isto sem querer, obviamente. Basta ver que os quadros que poderiam promover a mudança pela inovação técnica e criatividade são incentivados a emigrar para países onde são bem recebidos, como são os jovens engenheiros e arquitetos moldados nas novas tecnologias e saberes. O setor prefere manter-se com os conhecimentos antigos (e muitas vezes viciados) de quem anda no setor há muitos anos. Vêem-se os resultados.
Este tema é desenvolvido no livro “Uma nova visão sobre o imobiliário – Plataforma para a criação de riqueza no século XXI”
Lisboa, 5 de Outubro de 2020
João Correia Gomes
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