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  • Foto do escritorJoão Correia Gomes

O IMOBILIÁRIO PÓS COVID-19. COMO PREVER?

OU, O PODER TRANSFORMADOR QUE UMA CRISE TRAZ.



Para já, impossível saber! Como e quando terminará a crise? Quem já sabe? Quem consegue adivinhar? Pode estar apenas no início. A pandemia de 1918 teve três surtos, o segundo matou muito mais do que o primeiro! Portanto, avaliar resultados, teremos de aguardar. Poderão ser ou não devastadores?


Se a prevenção sanitária prolongar muito, é óbvio que o confinamento afectará muito a economia que depende de fluxos de pessoas, também. São actividades que requerem presença humana como o turismo, a restauração, a manufactura ou atendimento pessoal. No mundo cada vez mais interligado em que vivemos, a interrupção de alguns fluxos afecta todos os outros. O todo responde com um efeito exponencial, não-linear, ao contrário das estruturas económicas simples.


As economias mais avançadas são muito dependentes de fluxos diversificados. Os efeitos configuram-se mais dramáticos se comparados com as economias menos avançadas. Por exemplo, no Reino Unido, prevê-se já a pior crise desde o início do século XVIII! As economias que dependem muito de actividades presenciais, como o turismo, poderão também sofrer bastante.


O tempo actua aqui como um mecanismo de selecção. É como actual a natureza. Uma crise gera volatilidade. Numa ótica probabilística, o tempo e a volatilidade são como que parceiros (Taleb, 2018). Aqui, a palavra-chave é “sobrevivência”. E, sobreviver, é apenas a aptidão para gerir (n)a desordem. Quanto maior e prolongada for a crise, maior será o desajustamento provocado, logo a dor pela mudança. Esta confere oportunidade para novos agentes, antes “escondidos”, e para a inovação, antes absurda.


Claro que, agora, todas as opções estão em aberto. A crise pode até ser curta. Poderia imaginar-se que alguém descobre um método expedito para imunizar milhões de pessoas num só mês! Bem, pode fantasiar-se, ou sonhar milagres. Pode ser-se não realista, ou até sociopata, para priorizar o dinheiro ou o poder. Se o milagre acontecer, a crise será apenas um fenómeno de segunda ordem no rodapé da História. Claro, não trará grande mudança ao mundo conhecido.


Na economia moderna, cada vez mais, tudo se interliga e afecta mutuamente. Uma crise que interrompe fluxos, reduz confiança, e tal tem consequências. Como em crises do passado, esta também irá reflectir-se em mudança, deve expurgar e renovar modelos instituídos. Mas, chegar à rotura? Talvez não. Apenas se demorar demais. Pode não passar de um ajustamento normal. Assim, será preciso induzir as pistas e perigos potenciais para planear medidas de contenção e para mitigação dos riscos. Quase certo será a crise acelerar mudanças em curso. As crises funcionam como aceleradores da mudança.


Para os cientistas de saúde pública a crise sanitária demorará um ano, no mínimo. E, pode alastrar-se pelo mundo. Seria possível manter o confinamento total dos últimos dois meses sem chegar a uma grave convulsão social?


A economia depende de fluxos (pessoas, dinheiro, bens, informação, etc.). Estes não podem ser bloqueados durante muito tempo, sem o risco de emergir um conflito tão grave cujas consequências seriam ainda piores. No passado, até levou à guerra, como os populismos absolutos que emergiram nas décadas de 1920-1930. Seria inteligente uma nova forma de condicionamento sanitário, mas distinto do confinamento total. Mas, de qualquer modo, afectam todos os sistemas dos quais dependemos.


Graças a novos ramos da ciência, além dos já clássicos que ainda suportam os modelos económicos e políticos correntes, hoje sabemos que nos integramos em sistemas. O nosso corpo humano é um sistema, sustentado num planeta saudável (outro sistema), num universo de planetas, e por aí adiante. É como se fosse uma matrioska. Nesta sequência, pode considerar-se a economia e o mercado como sistemas, artificiais, criados pelo Homem, que é um ser social. Todos estes sistemas são abertos, logo interdependentes e se influenciam.


Os efectivos sistemas geram efeitos não lineares, sobretudo os mais abertos, o que implica resultados indeterminados. Os efeitos visíveis dos sistemas abertos são os ambientes que criam pelos seus fluxos e interacções das suas unidades elementares. São efeitos distintos dos produzidos pela máquina determinística cujo resultado é simplista, como o lucro, mas gera muitos erros e desperdício. A situação é difícil para todos, treinados segundo modelos lineares, habituados a mecanismos que só produzem resultados singulares e determinísticos. Assim, a maioria dos modelos correntes de análise económica e financeira são muito lineares, até mesmo estáticos, pois baseados na ciência do século XVIII. Enorme é o desfasamento gerado face às necessidades e sustentabilidade requeridas neste século, pleno de desafios.


O que isto tem a ver com Imobiliário?


Depende da forma como se vê a função da actividade imobiliária.


Na ótica mais tradicional, a actividade liga-se à construção, gestão ou transacção de imóveis. O negócio corrente é simples. Passa pela compra do terreno, pela obrigação de um projecto e da licença para construir, vender, e usar. Trata-se de uma simples cadeia de eventos, num mundo (ambiente) expectável, cujos agentes estão ligados à produção e transacção do físico. Menos evidentes são as actividades intangíveis do conhecimento ou gestão de informação.

Mas, um modelo tão estático como o tradicional raramente admite inovação. Esta, quando é admitida, limita-se ao tangível. Diga-se, de modo depreciativo, que enfoca mais sobre a obtenção do terreno e execução do objecto “tijolo e a argamassa”, menos sobre a criatividade e a análise. O modelo económico que lhe é subjacente também não é melhor. Tende a ser estático quando enfoca muito o lucro (receita menos custos) ou o PIB. Raramente integra modelos dinâmicos, ou a análise do risco na sua amplitude (focando o risco sistémico ou de mercado pois pode basear-se em dados obtidos do passado). Este modelo económico tende a gerar resultados de soma zero. Para alguém ganhar, outro perderá, sejam humanos, a natureza ou até o bem comum. A ótica clássica não arranja muito espaço para optimizar resultados por variáveis além das habituais. Se o mercado alterar de repente, o negócio desajusta de modo irreversível. E, sem capacidade de adaptação ao novo ambiente, morre.


Para o novo ambiente socioeconómico, o imobiliário pode inspirar-se na teoria dos sistemas. Realmente, o fim do imobiliário deve ser a provisão de ambientes físicos que são adaptados às várias necessidades humanas. Estamos envolvidos e dependemos de ambientes em que se destacam os humanos, físicos, institucionais e informacionais, estes em ascensão. Os ambientes físicos distinguem-se nos naturais (natureza), edificados (imobiliário) e a energia.



O imobiliário produz o sistema edificado e de energia recorrendo à natureza da qual usa o terreno e extrai matéria-prima. Depende do ambiente humano para criar valor, atrair, vender ou arrendar, além de proporcionar segurança, empatia ou cultura, entre tantos outros atributos. A preservação do sistema humano depende imenso do sistema natural que o envolve. Na alternativa clássica, todos estaremos sujeitos à extinção. E, nós não somos melhores do que os outros seres “eternos” extintos antes de nós.


O imobiliário depende do ambiente institucional, criado para obter confiança e ter fiabilidade às decisões de terceiros. Somos sujeitos a decisões emocionais e irracionais. Funciona como um travão. O acelerador é o ambiente humano, criativo, mas que cria caos e conflito. Os modelos de negócio imobiliário melhor sucedidos no futuro serão aqueles que usarão o ambiente informacional para produzir com ainda mais valor acrescentado, ou seja com elevadas sinergias.


No modelo de negócio imobiliário o foco deixa de ser a construção do tangível. O esforço e energia do empreendimento passam para o enfoque na criação do conceito imobiliário, no processo, no financiamento e tecnologia. Combinando a tecnologia com o processo, o empreendimento pode ser controlado através dos fluxos de informação e do suporte institucional.


O que poderá alterar nos ambientes em que vivemos?


Quanto ao conceito, é provável que reduza a oferta do produto mais tradicional que é a construção de habitação para venda apoiado por crédito hipotecário. Será substituído por serviços residenciais que induzam mais flexibilidade e adaptabilidade às novas necessidades humanas e famílias, como o coliving ou o cohousing.


Portugal pode beneficiar muito do capital acumulado pelo ambiente humano, como a segurança, o clima, a hospitalidade, a diversidade, o comportamento face à contenção da pandemia. Deverá manter, e até aumentar, a exportação de produtos e serviços com base nos ambientes físicos (natureza) e humanos, como a habitação de (verdadeiro) luxo ou o turismo de alta-qualidade.


O confinamento poderá conduzir a uma nova visão sobre o tele-trabalho. Isto poderá afectar o mercado de escritórios, mas configurar alterações do espaço nas habitações, e promover o mercado residencial no mundo rural e natural até um centena de quilómetros dos centros das grandes cidades.


A produção e armazenamento de energia por fontes renováveis também se relaciona com imobiliário porque dependem do território. Pode abrir porta para grandes oportunidades, sobretudo com o apoio de fundos europeus (EGD).




Deverá existir uma grande aproximação entre os sectores imobiliário e de preservação da natureza. A sustentabilidade estará na ordem do dia. O maior perigo nem é o COVID-19, mas as alterações climáticas. Irão abrir-se grandes oportunidades neste campo de produtos e serviços sustentáveis e relativos à saúde.



Lisboa, 19 de maio de 2020

João Correia Gomes


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