PARECE O TÍTULO DE UMA SEQUELA DO FILME DE FICÇÃO CIENTÍFICA REALIZADO POR STANLEY KUBRICK EM 1968…
… mas hoje, 52 anos depois da obra-prima cinematográfica, trata-se da realidade provável do que se irá passar na Europa e, por contágio, no Mundo, de acordo com as notícias que chovem dos Media, como tempestade Camoniana no Cabo da Tormentas, sobre os inúmeros envolvidos no fenómeno automóvel…
Mas não somente!
A ideia de base é clara e bem-intencionada.
Acabar com os automóveis movidos a motor de combustão interna, conhecidos pelo acrónimo ICE, Internal Combustion Engine, parece ser uma medida crucial para atingir as metas de descarbonização exigidas como medidas de proteção ambiental e de combate à emergência climática, conhecidas como Zero Carbon 2030.
De acordo com o primeiro-ministro inglês Boris Johnson, esta é uma das diversas medidas essenciais para pôr em prática o que ele designa de “Revolução Industrial Verde”, parte de um plano para impulsionar a economia do Reino Unido que, entre outros passos, prevê banir as vendas de automóveis ICE a partir de 2030 e de automóveis híbridos a partir de 2035.
A alternativa?
Veículos eléctricos, EV’s, que não emitem para a atmosfera quaisquer gases poluentes, designados também por ZE, Zero Emission.
Não obstante, há quem defenda que estas medidas, aparentemente drásticas, são tardias e deveriam ser postas em prática com a data limite de 2026, em vez de 2030.
Uma das vozes públicas que defende esta antecipação é Ben Nelmes, o porta-voz do New Automotive, um think-tank criado para estudar e acelerar o processo de transição entre veículos a combustão e veículos elétricos, no Reino Unido.
Como contágio pandémico, estas medidas alastram-se pela Europa e pelo Mundo, com várias cidades a proibir actualmente a circulação de veículos ICE, consoante a idade dos mesmos. Em alguns locais, a proibição de circulação de veículos ICE é total, permitindo, em contrapartida, a circulação de veículos eléctricos.
Outras medidas acompanham este movimento verde da mobilidade rodoviária…
Devido ao desmantelamento das centrais eléctricas a combustíveis fósseis e ao expectável aumento do consumo de energia eléctrica, o Reino Unido, entre outros países, prevê o investimento na energia nuclear, com a construção de novas centrais, contrariando, de forma surpreendente, a tendência da Alemanha.
No horizonte está também o aumento de produção de energia eléctrica através de energia solar e eólica.
Prevê-se o investimento em campanhas para potenciar a utilização dos transportes públicos, que deverão adoptar também o conceito Zero Emission, a serem complementados pelo andar a pé e pelo uso de bicicletas, com a expansão das redes de ciclovias, fenómeno já bem visível em diversas cidades portuguesas.
Está previsto também um investimento que poderá atingir os 500 mil milhões de euros para desenvolver a rede de produção, distribuição e abastecimento de hidrogénio.
O conceito ZE pretende ser também aplicado ao transporte rodoviário pesado, bem como ao transporte aéreo e marítimo.
Em paralelo ao fenómeno da mobilidade, existe ainda o objectivo de fazer uma revolução do paradigma energético nos edifícios, melhorando os isolamentos térmicos e aquecimento, com recurso massificado a bombas de calor e substituição das redes de gás por redes de hidrogénio, entre outros.
Feitas as contas e apesar de todas esta medidas, a redução de emissões parece não ser suficiente para atingir uma economia e uma sociedade neutras.
Assim sendo, o pacote é completado pela exigência de plantação massiva de árvores e pela construção de centrais de recolha de dióxido de carbono atmosférico e o seu respectivo armazenamento.
Sendo reconhecido que ainda hoje, 2020, cerca de 13% da população mundial não tem sequer acesso a eletricidade, como assegurar que o impacto destas medidas não será catastrófico para os países emergentes?
O think tank Carbon Tracker afirma que com o advento dos EV’s, a era do petróleo chegará ao fim… Como efeito directo da redução do consumo de combustíveis fósseis, estimam que o preço do petróleo poderá baixar cerca de 25%.
No seu conjunto, estimam que estes países poderão ter uma poupança anual de cerca de 250 mil milhões de dólares, devido à redução de importação de petróleo e combustíveis, valor suficiente para financiar a transição dos ICE’s para os EV’s.
Mas isto ao mesmo tempo que reconhecem que o consumo total de petróleo, como matéria-prima, deverá ter um aumento da procura de 5,3 MBPD (Thousand Barrels Per Day), de acordo com a IEA, Internacional Energy Agency, no cenário provável, pós pandemia, em que todas as medidas energéticas são postas em prática.
Será então correcto assumir que o preço do petróleo irá baixar os estimados 25%? E que o impacto económico será inexistente?
Sem querer divagar e mantendo este texto coerente com o título, vou cingir-me à mobilidade automóvel, concentrando as minhas atenções na mobilidade ligeira …
Se após a discrição anterior, a tarefa parece hercúlea, então voltemos à ficção pois será necessário um “Exército de filhos de Zeus” para a realizar, com sucesso, no prazo previsto.
Desta lista, ficaram excluídos aspectos deveras pertinentes, aparentemente esquecidos ou ignorados. Talvez tenha sido apenas distraccão minha…
Sem querer ser exaustivo, eis algumas condições que têm de ser cumpridas para que este plano possa ser posto em prática.
- Como e onde carregar os veículos elétricos a baterias, BEV’s?
Basta circular, por exemplo, pelos bairros residenciais, para verificar que a esmagadora maioria dos veículos “dorme” na rua, amiúde estacionados em locais que não são estacionamento sequer. A esmagadora maioria não poderá ser carregada numa garagem.
Actualmente, os PCR, postos de carregamento rápido, são escassos ou mesmo inexistentes pelo que teriam de ser implementados de forma massiva. Será viável?
- Como e onde abastecer os veículos eléctricos a fuel cell, FCEV’s?
Em Portugal, por exemplo, a rede de abastecimento de H2 é inexistente.
Fazendo o paralelo com o GPL, em quase 50 anos de existência, a rede continua diminuta. Será expectável que seja radicalmente diferente com o hidrogénio? A ver vamos…
- Como articular e alterar, num tão curto espaço de tempo, a rede existente de concessionários de veículos novos, de assistência, de vendedores de peças e consumíveis, esta enorme mudança de paradigma do comércio automóvel?
- Como assegurar que todos os países da União Europeia têm simultaneamente acesso equitativo aos fundos necessários para pôr em prática estas medidas?
- Como assegurar investimentos imediatos por parte dos fabricantes de automóveis para a criação de uma inteira gama de veículos exclusivamente eléctrica para que, em 2030, sejam capazes de responder às exigências legais?
- Como assegurar investimentos para que as redes eléctricas sejam redimensionadas para o exponencial aumento de consumo de electricidade, nomeadamente, em zonas residenciais, onde os BEV’s serão estacionados e postos a carregar quase simultaneamente, ao final do dia?
- Como assegurar a produção e fornecimento de matéria-prima essencial para o fabrico de componentes necessários às tecnologias verdes como as baterias, os motores elétricos, os painéis solares etc?
Mais concretamente, metais raros e minerais como o lítio, o cobalto, o cobre, a grafite, o galium, o tântalo, o neodimium, entre muitos outros?
- Como assegurar que essa produção é feita de forma sustentável e verdadeiramente ecológica?
No documentário “O lado negro das energias verdes” é exposta a cadeia de exploração e produção destes metais raros, ficando bem patente que está longe de ser ecológica, demonstrando que, na realidade, a transição verde poderá ser uma falácia e que possivelmente se está meramente a deslocar a emissão de poluição para fases diferentes do processo.
- Como assegurar a reciclagem das baterias e de outros componentes, que se sabe terem vidas úteis limitadas?
No que respeito diz às baterias, é factual que estas se degradam e perdem capacidade de carga, ao longo do tempo e consoante o número de ciclos de carga e, sobretudo, da forma como esta é feita, se carga lenta, numa rede residencial, ou em PCR’s.
São reconhecidos diversos casos de perda de integridade e consequente redução drástica de capacidade de carga das baterias (até perda total) com necessidade de substituição das mesmas, após uma utilização intensiva e recurso recorrente a PCR’s, em automóveis com pouco mais de um ano e 110.000 km (um exemplo entre vários), com o custo de substituição do modulo das baterias a ultrapassar bastante mais de 50% do custo de um veículo novo.
- Como assegurar aos diversos profissionais, de transporte de passageiros ou mercadorias, que dão uma utilização intensiva ao seu automóvel, que os BEV’s são a melhor e adequada opção?
- Como assegurar que, em 2030 (ou quiçá, em 2026!), um BEV terá um custo de compra novo equiparado um ICE equivalente, de forma a convencer os compradores e possibilitar a compra generalizada de novos automóveis, visto que hoje, o valor final de compra sem incentivos fiscais, pode ultrapassar o dobro de um ICE?
Independentemente das opiniões, é factual que os BEV’s têm inúmeras vantagens sobre os ICE’s. Não obstante, os BEV’s não se têm conseguido impor nos mercados, bastando verificar as evidentes flutuações dos volumes e tendências de vendas e constatar a baixa penetração generalizada.
Há algumas excepções como a Noruega, Suécia, Finlândia, Islândia e Holanda, como demonstra o McKinsey Electric Vehicle Index mas após uma análise cuidada percebe-se que a democratização dos EV’s (BEV’s, FCEV’s e híbridos, todos confundidos) se deve essencialmente às inúmeras medidas de incentivo, mais concretamente, vantagens financeiras concedidas pelos Estados, que vão desde a redução nos impostos de compra e circulação, ao carregamentos e estacionamentos gratuitos, até às excepções a proibições de circulação, etc.
Não obstante, estas medidas têm apresentado resultados não satisfatórios de incrementos de venda, que continuam demasiado baixos para demostrar uma cabal vontade de mudança, por parte dos consumidores.
Desta forma, a transição “suave e voluntária” irá, na verdade, ser impulsionada por fortes medidas de dissuasão à compra de novos ICE’s (e manutenção dos existentes), como as já mencionadas proibições de circulação, aumento de impostos e taxas e, no limite, proibição total de vendas, prevista para 2030.
Após muita pesquisa e tendo eu a consciência que não tenho acesso a toda a informação, atrevo-me a arriscar que o custo total da operação Zero Carbon 2030 terá um custo real de muitos, mesmo muitos milhares de milhões de euros.
Estou convencido que nem os impulsionadores destas medidas terão quantificado esse valor…
Numa UE e num Mundo evidentemente fragilizados pela actual pandemia, com a economia global a atravessar uma das piores recessões da História, será viável impor estas medidas?
Se forem postas em prática, será que terão o sucesso expectável ?
Eu não gostaria de ser a ovelha ronhosa do rebanho, mas, INFELIZMENTE, estou convencido que não.
Nuno Poitout, engenheiro mecânico, escreve de acordo com a antiga ortografia.
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