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  • Foto do escritorJoaquim Nogueira de Almeida

CASTELBEL, A ENGENHARIA DOS AROMAS

Atualizado: 4 de dez. de 2020


HOJE AS FLORES SABEM-ME BEM NUM PALADAR QUE SE CHEIRA.

HOJE ÀS VEZES ACORDO E CHEIRO ANTES DE VER.

Alberto Caeiro, in "O Pastor Amoroso" , heterónimo de Fernando Pessoa

Hoje fomos visitar o mundo dos Aromas. A química do cheiro envolto com a beleza da forma e das cores. Hoje tivemos o privilégio de estar à conversa com o Eng. Aquiles Barros que iniciou a aventura da Castelbel aos 50 anos, sendo hoje uma história de sucesso.




E&A: Obrigado pela sua disponibilidade em conceder-nos uma entrevista em que se mostre o Engenho & Arte dos aromas Castelbel. Começamos pelo princípio. Quando é que nasceu a Castelbel e porquê?


AB: A Castelbel nasceu em 1999, embora a produção propriamente dita só tivesse começado no segundo semestre de 2000.


E&A: Tem formação em Engenharia Quimica, em que medida a sua formação permitiu concretizar um projecto como a Castelbel? O seu conhecimento de química foi indispensável no desenvolvimento dos produtos da Castelbel? De que forma essa formação o ajudou a desenvolver melhores produtos?


AB: A minha formação não foi indispensável para concretizar o projecto Castelbel. A razão de eu ter ido para Engenharia Química, essa sim, teve a ver com um caso particular de relação com uma fábrica de sabonetes, o que, após várias peripécias, culminou com a criação da Castelbel.


E&A: Pode explicar-nos sucintamente a metodologia no desenvolvimento destes produtos desde a sua primeira ideia?


AB: A Castelbel iniciou a sua actividade com a produção de sabonetes para a empresa Lafco, em New York, na sequência do desafio que me foi lançado por Jon Bresler, que tinha acabado de a criar.


E&A: Neste momento trabalha com uma rede de parceiros para integrar diversos recursos que são muito importantes no vosso produto final,. Quer explicar quais os principais e como são seleccionados?


AB: Como acontece com empresas fabricantes, nós tivemos que desenvolver contactos com empresas de diversos sectores, como gráficas, produtores de matérias primas, empresas de transportes, empresas de controlo de qualidade, etc. No caso particular do design, muito importante no nosso sector, em 2006 tomámos a decisão de criar um Departamento de Design próprio, que actualmente é constituído por 7 designers.





E&A: Em termos de Investigação e Desenvolvimento como é que a Castelbel actua? Tem parceiros das Universidades? Tem parceiros tecnológicos? Como é que a Inovação é incorporada na Castelbel?


AB: Não temos um modo de actuação único. Em geral, a investigação é feita internamente, como aconteceu com o desenvolvimento das saquetas com cortiça perfumada e com os champôs e amaciadores sólidos, mas também temos estabelecido parcerias, como foi o caso do projecto Naturbel, em co-promoção com a empresa WeDoTech, realizado no âmbito da Agência de Inovação.


E&A: O mundo dos aromas tem no nosso inconsciente a predominância Francesa. Como vê esse facto no actual mercado mundial? De que forma uma empresa Portuguesa conquista espaço nesse mundo?


AB: É um problema real. Uma das formas de venda dos nossos produtos é através da participação em feiras internacionais. E, nesses certames, essa é uma realidade bem patente: os visitantes sentem-se muito mais atraídos pelo que é francês e, até, italiano, pelo que o êxito relativo que temos vindo a conseguir tem muito a ver com a grande atratividade dos nossos produtos, quer em termos de design quer em termos de fragrância, mas também com a forma entusiástica como as nossas equipas de vendas procuram motivar os visitantes.


Concepção de produtos



E&A: Não sei se viu o filme “O Perfume” com Dustin Hoffman? Nesse filme o Santo Grall dos perfumes foi possível de atingir devido à sensibilidade hiper extrema de um individuo. Como é que é feita a escolha dos aromas e as suas misturas na Castelbel? É só através de testes de cheiro? Ou há algumas técnicas mais científicas? Pode falar um pouco sobre este tema que habitualmente todos achamos ser absolutamente subjectivo e emocional?


AB: Apesar de ter sido um dos três fundadores da Castelbel, e o único que ainda se mantém, confesso que a minha capacidade de apreciação de fragrâncias deixa muito a desejar. Aliás, considero que, em geral, o sexo feminino tem muito mais competências neste particular, o que acaba por ser muito bom, dado o facto de o número de mulheres na Castelbel ultrapassar os 90%. O que eu quero dizer é que temos na empresa um conjunto de pessoas, sobretudo nas áreas das vendas e do design, cuja missão é selecionar as fragrâncias mais adequadas. Aliás, acaba por ser um trabalho muito mais abrangente, dado que é frequente envolvermos os nossos clientes nas decisões, enviando-lhes amostras de produtos ainda em fase de aprovação e pedindo-lhes a opinião.


E&A: Sabendo que a Engenharia habitualmente não tem competências adquiridas no curso ao nível da gestão e marketing, quer explicar como se desenvolveram essas competências na Castelbel? Foi por experiência? Por formação complementar? Por contratação?


AB: No meu caso particular, as competências de gestão tiveram um pouco a ver com alguma predisposição, que explica, por exemplo, como é que aos 19 anos fui capaz de liderar o projecto de implantação do Voleibol no Castelo da Maia; em 1973 nascia o Castelo da Maia Ginásio Clube, que na década de 90 chegou a ser o clube mais representativo do voleibol nacional. O facto de ter assumido funções docentes universitárias em 1973 também ajudou a reforçar as minhas competências na área da gestão. De qualquer modo, já há vários anos que têm vindo a ser contratadas pessoas para desempenhar funções de gestão e marketing. Em geral, pessoas sem habilitações estritamente nessas áreas, mas que, ao longo do tempo, foram ganhando experiência e participando em ações de formação que lhes permitiram ter um papel decisivo no crescimento da Castelbel na última meia dúzia de anos (2013-2019): a faturação passou de 3,8 milhões de euros para 13,6 milhões de euros, e o número de trabalhadores passou de 64 para 197.


A nova Fábrica


E&A: Parece-me que o alvo da Castelbel é o mercado de luxo. É assim? Pode explicar a razão desta opção? Sendo esse um mercado com grande exigência qual foi a estratégia para entrar neste segmento?


AB: Considerei sempre que uma aposta em mercados baixos obrigaria a privilegiar permanentemente a quantidade em detrimento da qualidade. E essa imposição seria impeditiva da procura de inovação, algo que sempre me atraiu. E foi exatamente isso que aconteceu no ano de 1999, quando foi criada a Castelbel, sem estar associada a qualquer inovação, pelo menos na aparência. De facto, o que teve de inovador criar uma fábrica de sabonetes, um produto que até estava a cair em desuso (falência de fábricas de sabonetes por todo o mundo, dada a proliferação do gel de banho)? Só que a Castelbel não nasceu como uma fábrica de sabonetes, mas como uma fábrica de prendas, sabonetes de luxo, a que, um pouco mais tarde, se juntaram outros produtos para o corpo e para a casa.




E&A: Sendo um factor fundamental para o sucesso comercial, a internacionalização já é uma realidade. Qual foi o primeiro país para onde exportaram a vossa solução? Como aconteceu essa primeira experiência? Em quantos países estão já? Qual é a vossa estratégia nesta questão? Qual é percentagem de facturação nas exportações? De que tipo são os vossos clientes? (retalho, distribuidores, representantes, plataformas on-line, etc)


AB: A forma como começou a internacionalização das nossas marcas é bastante curiosa e só se iniciou em 2009. De facto, só em 2006 é que a Castelbel criou e registou internacionalmente as suas marcas CASTELBEL e PORTUS CALE e só em 2008 é que fez a sua divulgação de uma forma mais assertiva, começando por Portugal. Foi tal o êxito obtido no nosso país, que decidimos logo a seguir avançar para Espanha com duaa feiras em Madrid em 2009 e nos anos seguintes para vários outros mercados. Atualmente, os nossos produtos estão em mais de 60 países e as exportações representam 75% do nosso volume de vendas.


E&A: Como é que a Castelbel vê o futuro no mundo digital? Em que medida tem incorporado ou pensa incorporar sistemas digitais na Castelbel, seja na concepção, na produção, no controlo de qualidade e nas vendas on-line?


AB: Esta é outra área em que a Castelbel está a fazer uma grande aposta. As ordens de produção já são transmitidas digitalmente às zonas de fabrico e de embalagem e o sistema de registo de vendas está automatizado. A loja online, que começou a funcionar no segundo semestre de 2018, está a ser alvo de modificações que facilitem a sua utilização.


E&A: Qual é o impacto que esta recentemente pandemia e as suas consequências ao nível dos mercados mundiais impactou a vossa empresa? O que acha que poderá ainda impactar? É uma crise que traz oportunidades para a Castelbel? Em que sentido?


AB: O impacto tem sido bastante grande, com uma redução acentuada das vendas entre março e junho. Mas esperamos que, a pouco e pouco, a situação se venha a normalizar. À partida, não vemos que esta crise traga novas oportunidades para a Castelbel, mas é algo difícil de prever. O que parece certo é que, infelizmente, o crescimento ininterrupto de vendas entre 2000 e 2019, vá ser quebrado no ano de 2020. O nosso objetivo para 2021 é, precisamente, retomar esse crescimento.


E&A: A Engenharia Portuguesa tem mostrado ser uma engenharia com reconhecido mérito técnico e até de capacidade de encontrar soluções inventivas. Nota-se, no entanto, que há pouca incorporação desse mérito em empresas industriais, seja por os empreendedores não terem a sensibilidade ou estratégia de incorporar essas competências, seja por haver poucos engenheiros empreendedores na área industrial. Como acha que poderemos inverter essa situação?


AB: Não concordo que haja pouca incorporação. Aliás, sendo nós um país com 10 milhões, num mundo que tem uma população quase 1000 vezes maior, o mais eficaz é termos os portugueses mais dotados, Engenheiros ou outros, a tentar implementar cá o que é feito lá fora, fica mais barato e rende mais, porque inovar fica muito caro e demora muito, Haverá pequenos nichos em que estamos no pelotão da frente como na cortiça, sapatos, vinhos e alguns outros, em que devemos continuar a investir em inovação, para não sermos ultrapassados pelos outros.


E&A: Já que foi docente universitário e neste momento é empresário, qual é a sua análise do actual panorama do ensino da Engenharia em Portugal? Acha que os cursos estão corretamente ajustados às necessidades do mercado de trabalho e das necessidades das empresas? Como acha que a articulação das universidades com as empresas deveria ser feita? Como incluir mais os engenheiros nas empresas?


AB: Eu fui docente universitário, mas na Faculdade de Ciências do Porto e não na de Engenharia. Por acaso, até tive alguma articulação com empresas; mas é um processo condenado à partida, porque a progressão de docente está muito mais associada à produção científica não aplicada, os chamados “papers”, do que à inovação produtiva, algo que é muito mais demorado e pode nem acontecer, por muito esforço que seja feito; e se nada surgir, as Universidades dão zero ao esforço despendido, pelo que é muito mais seguro e sensato não fazer investigação aplicada. Obviamente, haverá algumas exceções, mas são raras.


E&A: Ainda sobre os cursos de Engenharia, acha que as licenciaturas de três anos, pós Bolonha, são suficientes e em que condições?


AB: Eu fui docente e alguns dos meus melhores alunos praticamente não frequentavam as aulas, porque é preciso dar aulas para a “média dos alunos”. Portanto, o mais importante é a capacidade que os alunos têm e não aquilo que se lhes ensina. O mais importante para um professor não é saber dar bem aulas, mas sim saber “motivar” os alunos, se bem que é mais fácil motivar um bom aluno quando se dá boas aulas.


E&A: Quantos Engenheiros trabalham na Castelbel?


AB: Quatro, mas exercendo funções que têm muito pouco a ver com o sentido restrito de Engenharia que muitas vezes consideramos. Por exemplo, temos alguns em compras e em vendas. Mas, nas vendas, também temos uma advogada, uma socióloga e uma gestora. Como disse atrás, o mais importante é a bagagem inata, mas devidamente complementada com bons hábitos de trabalho.


E&A: Para terminar, o Aquiles Barros é um exemplo de sucesso para muitos Engenheiros, já que conseguiu aplicar o seu conhecimento e experiência no desenvolvimento, industrialização e comercialização de produtos inovadores, diferenciadores e de sucesso. Em que medida a sua formação foi importante para este sucesso e que conselhos daria aos engenheiros que também têm este tipo de ambições?


AB: É importante que as pessoas se lembrem de que se fala muito dos exemplos de sucesso, mas muito menos nos de insucesso. No meu caso, houve um misto de oportunidade, dedicação e sorte. O conselho que dou aos engenheiros é que sejam prudentes. Em início de carreira, o mais provável é não conseguirem afirmar o vosso espírito empreendedor, a não ser que já tenham uma empresa na família ou vos apareça alguém que vos financie. Ao longo da vida, muitas vezes quando menos se espera, pode surgir uma oportunidade e é a situações dessas que têm que estar atentos. A criação da Castelbel é um exemplo vivo, tornei-me empresário aos 50 anos, por ter sido desafiado para o ser por Jon Bresler da Lafco e ter conseguido arranjar um amigo que financiou o projeto, o Jerónimo Campos.


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Joaquim Nogueira de Almeida


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