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  • Foto do escritorJoão Correia Gomes

IMOBILIÁRIO NO CAMINHO DA INOVAÇÃO

(Ensaio estruturado a partir de excerto de entrevista online a IMOVIRTUAL realizada no dia 02 de Julho de 2020, excelentemente conduzida por Bruno Coelho- BC)



BC- Como tem vivido a nova realidade devida ao Covid-19?


JG- Experienciei o confinamento como quase toda a gente. A pandemia é uma chatice para a humanidade, pois acarreta sofrimento. Poderá mesmo tornar-se uma catástrofe humanitária. Mas, pandemias não são todo fenómeno incomum na História humana. Na selecção natural da evolução, é mais um obstáculo a ser vencido, tornando-nos mais resistentes e adaptados. Vejo então a crise gerada pelo COVID-19 como oportunidade para a renovação da humanidade. No fim, resultará em experiência dos sobreviventes, como indivíduos e seres sociais. Iremos aprender algo novo. O nosso comportamento irá mudar. Se a pandemia prolongar muito certamente abrir-se-ão caixas de pandora com acontecimentos inesperados. Um caminho cada mais incerto.


JG- O livro foi escrito na sequência do meu doutoramento e da resolução de problemas após as crises de 2007-2008 até 2016. O objectivo para a sua publicação foi munir os meus alunos da ESAI com um manual de estudo na língua portuguesa. A área do imobiliário não é rica em publicações na nossa língua.

O livro é composto por cinco partes que funcionam de forma autónoma com os seguintes temas base: conceito de imobiliário baseado no espaço-tempo e ambientes; conceito de valor; análise de tendências e oportunidades; processo de promoção imobiliária; a gestão do processo de empreendimento imobiliário.


BC- Qual considera serem os efeitos da contenção da mobilidade e da consequente crise que a pandemia está a gerar?


JG- As pandemias e outros fenómenos críticos como guerras sempre funcionaram como aceleradores da mudança. O processo de mudança actual (da quarta revolução industrial) não tem a ver com o COVID-19, já está a decorrer há algum tempo. Aconselha-se a leitura da entrevista de Peter Zemsky ao jornal Público ou os relatórios do Fórum Económico Mundial pelo menos desde 2015.

As pessoas, sociedades ou organizações (como empresas), de um modo geral todos, não aceitam mudança. Nem sequer a interiorizam. O mundo vive nesta era uma forte dinâmica de mudança tecnológica. Mas, a nossa estrutura mental ou cultural quase nada mudou, seja na forma de viver ou gerir negócios. Portanto, apenas vivemos na aparência de mudança, aparentamos modernidade a utilizar tecnologia importada, mas que não produzimos. É uma ilusão.


As crises criam roturas, limpam os sistemas instalados (políticos, sociais, económicos), o status quo, dominado por alguns, aceite por quase todos. A crise e a rotura abrem oportunidades para outros actores, até agora escondidos. Os mamíferos, grupo em que os humanos se integram, só tiveram oportunidade depois da extinção dos dinossauros. O actual esforço humano em extinguir-se como espécie levará à emergência de uma nova espécie que espera oportunidade.

BC- Considera ​o imobiliário um fator essencial para ganhar tempo para ultrapassar os obstáculos atuais da economia?


JG- Para ser próspera, a economia não pode basear-se apenas em sectores que dependem demais da natureza do material, como a agricultura, a extracção de matéria-prima, o imobiliário tradicional, ou o turismo básico que depende da natureza (como o Sol e mar).

Na economia básica falta o tal clique que permitirá chegar ao topo mundial. É assim muito dependente do preço definido por terceiros como os mercados de bolsa. A prosperidade económica precisa de um trampolim para alcançar um poder negocial e robustez perante o mercado, criar elevado valor competitivo. Essa meta só é possível atingir em ambientes de confiança, de inovação e conhecimento técnico e científico (e não apenas empírico), de criatividade, gestão dinâmica e sinergias. Em conjunto, criam a imparável espiral de crescimento.

O puro imobiliário tradicional não consegue isso. Depende demasiado de actividades pobres em conhecimento e qualidade, fáceis de substituir por alternativas, com baixa produtividade, logo com salários mínimos. Num prazo médio, pode ser um bom meio de sustentação económica que permita desenvolver os atributos de valor, excelentes e insubstituíveis, quase sempre intangíveis.

Porém, o imobiliário deve também dar o salto nesse trampolim da prosperidade. Para tal deve abandonar o modelo de negócio focado em construir e vender imóveis, mas passar a conceber e focar mais o negócio em ambientes numa lógica de longo prazo. O processo de empreendimento imobiliário foi sempre de longo prazo. A construção de edifícios que deve ser entendido como um meio e não o fim do imobiliário.


BC- Fale-nos um pouco desta quarta revolução industrial e o papel do consultor na mesma. Como se deve adaptar?

JG- Trata-se da revolução da Inteligência Artificial (IA), robótica, biotecnologia, Internet das coisas, gestão de dados, energias renováveis que se atrasaram na terceira revolução industrial. Em comparação com anteriores revoluções industriais, esta depende menos de factores na escala humana (como motores), mas mais na escala micro ou nano (bits, genes, átomos). A nossa percepção do mundo na escala humana é de um milésimo de toda a realidade (Tong, 2019).


Quando se actua numa escala ínfima, os efeitos serão mais profundos, extensos e rápidos do que foi possível até hoje. A mudança que irá acontecer em todas as vertentes será muito superior ao passado. Poderá ser ainda mais dolorosa, mas espero que não.

Os agentes que dominarem e gerirem os factores mais intangíveis na criação de riqueza, como a tecnologia de informação, serão os líderes do futuro. Outros agentes que operarem factores humanos (como a emoção, cuidados a pessoas, empatia) irão safar-se bem. Os restantes, tradicionais ou indiferenciados, passarão dificuldades pois serão facilmente substituídos.


BC- Fala-se de um futuro de desmaterialização e da diminuição da mão humana. O que acontecerá ao imobiliário?


JG- Sim, a intervenção humana no que é manual e presencial irá reduzir muito, sobretudo nos países mais desenvolvidos. No futuro, será marcante o diferencial que distingue a economia que se baseia na inteligência e confiança daquela que depende apenas do material e do empírico manual. Esta última tenderá a ser pobre dominada por regimes mais ou menos autocráticos, quase sempre corruptos e burocráticos.

A economia baseada em imobiliário dependente de processos tradicionais, criados nas primeiras décadas do século XX, estará em apuros. Perderá competitividade. A prosperidade dependerá de negócios imobiliários cada vez mais desmaterializados, separados da construção física, mas focado na venda de espaço-tempo (Grasskamp), de ambientes e serviços de valor acrescentado. Dependentes de atributos de elevado valor percebido como são as emoções, os sonhos, a felicidade, a flexibilidade.


BC- Qual papel do agente imobiliário na sociedade e economia nos tempos actuais?


JG- Irá evoluir. Claro que muitos ficarão pelo caminho, sobretudo aqueles que não admitem a mudança. É normal. O agente próspero deverá saber comunicar e analisar o cliente. Talvez, no futuro, menos agentes vendam casas e sejam procurados para ajudar a encontrar conceitos ou estilos de vida, ambientes ajustados às necessidades individuais, após análise de perfis pessoais. O foco deverá será no cliente humano, não tanto num imóvel para lhe vender.


BC- Com as novas resoluções do conceito do imobiliário e com as novas tecnologias, qual deve ser a visão dos consultores para inovar os seus negócios?


JG- Terá de se adaptar, trabalhar informação, saber comunicar, analisar números e perfis de clientes com base em dados e IA. O foco pessoal do consultor deve ser a formação continua, não apenas nos conteúdos clássicos, mas sobretudo em conhecimento abrangente a começar por marketing, estudos de mercado, tecnologias de informação, gestão e uso eficiente de redes, psicologia, e alguma análise de investimentos.


BC- Qual a importância do marketing e da comunicação nos processos deste sector?


JG- Essenciais. O marketing e a comunicação devem participar no processo imobiliário ainda antes do arquitecto projectar. Primeiro, está o mercado, o cliente-utente humano, as dinâmicas de mercado, depois será a obra física. O conceito imobiliário deveria ser a fase mais importante em todo o processo imobiliário, ainda sem custos significativos, mas com todas as hipóteses em aberto.


BC- Fale-nos um pouco o conceito moderno do imobiliário, focado no valor do uso e na satisfação das necessidades dos clientes. Que dicas dá aos consultores?


JG- O mercado deve mudar focando menos na posse de bens e no consumismo que arrebata recursos ao planeta que não aguenta. Deverão emergir várias disrupções face à desigualdade social, concentração de riqueza, alterações climáticas.

A resposta a tais convulsões pode conduzir a um capitalismo mais partilhado, talvez mais institucional, como os SIGI. A cultura do mercado poderá mudar, procurando mais o uso flexível do que a aquisição de bens, presos a crédito de longo prazo. A prosperidade do capitalismo moderno deve mais a explosão e rapidez de fluxos, como os de pessoas entre centros de competência mundiais a tele-trabalhar longe dos domínios físicos da empresa. Assim, interessa captar clientes a procurar viver em ambientes optimizados (com segurança, clima e fraca poluição, humanos).



Na incerteza, é frequente a emergência de situações originais e imprevistas. A sua resolução não depende tanto de soluções bem-sucedidas no passado. A resolução eficaz passa pela rápida identificação das situações e intervenção. Tal competência e inteligência activa exigem prevenção mais capacitação dos agentes para a acção. E tal depende da formação.


Lisboa, 07 de Julho de 2020


João Correia Gomes


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