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  • Foto do escritorJoão Correia Gomes

PREVER PARA APÓS COVID-19. FIÁVEL?

Planos são inúteis; o planeamento é essencial”

Dwight Eisenhower



Nem por isso. O mais certo é não se concretizar o cenário pensado. Bem, com muitos cenários diferentes, é provável que se acerte em algum. Mas tal só se saberá depois de acontecer. Mas, à posteriori, todos acertam.


Quase todos nós pensamos de forma linear. Usamos heurísticas que sempre ajudaram os humanos a sobreviver. São automatismos simples para resolver os problemas diários com mínima energia. As previsões e decisões carregam ainda um pouco de emoção e lealdade à tribo (regras). As previsões podem ser fiáveis em ambientes estáveis, no curto prazo, e no cumprimento das normas por todos.


Criamos mecanismos para entender eventos lineares, como fluxos laminares da mecânica de fluídos. Respondem à maioria das situações a resolver no dia a dia. Facilitam a estimativa e a previsão. Pressupõem que o futuro tende a repetir o passado já conhecido. Mas, nem sempre a realidade se repete. Os ambientes em que vivemos não são assim tão previsíveis. Por vezes emergem eventos assimétricos e inesperados. Alguns geram tensões nos ambientes que passam a turbulentos, com voltas e reviravoltas. E surgem as crises.

Por exemplo, os ambientes humanos tendem a descontrolar-se com facilidade. Podem levar ao caos social face a efeitos não racionais como a emoção e a integração numa tribo. Para mitigar o problema, desde cedo a humanidade criou instituições. A institucionalização é economicamente eficiente (se a burocracia for exagerada) mas, sem ela, a alternativa seria bem pior. Ela gera confiança.


O mundo real nunca foi simples e alinhado, mas antes complexo. Como o corpo humano vivo, o mundo em que vivemos é um sistema, composto e influenciado por muitas variáveis, que se influenciam e condicionam. Os ambientes social e económico formam como que uma extensa matriz, em que cada variável Xij corresponde a um evento i efetuado pelo agente j. Qualquer evento ou agente nessa matriz pode influenciar outro evento ou agente. Quantas mais variáveis estiverem interligadas na matriz, mais difícil é estimar o resultado final. Um corpo formado por milhões de unidades (células, humanos) interligadas terá um comportamento dinâmico (vivo) dificil de estimar se houver perturbação.


Vivemos numa sociedade de mercado. São milhares de milhões de agentes (pessoas e empresas) e ainda mais eventos. Todos se interligam por fluxos de pessoas, bens, informação e capital. A matriz para descrever a realidade nem sequer deveria ser bidimensional, como acima descrita, mas multidimensional. Os vários comportamentos na escala global, a médio-longo prazo, serão decerto não lineares e os eventos do passado nem sempre apontam o futuro. Podemos falar apenas em padrões de semelhança com é a natureza, mas podemos errar se formos demasiado determinísticos.


MAS, COMO PENSAR E AGIR?


O racional para prever a médio prazo nos ambientes complexos em que vivemos deveria integrar também abordagens sistémicas. Claro que as abordagens mais lineares continuam a ser úteis para a maioria das situações por serem práticas e expeditas. Para a resolução de problemas sociais e económicos mais amplos interessa integrar outras ciências como a Teoria dos Sistemas, a Termodinâmica (quanto aos fluxos dinâmicos), a Física Quântica e até a Teoria das Cordas.


A humanidade é parte da Natureza. Com os seus corpos vivos e cérebros os humanos integram as sociedades de mercado. A natureza, os humanos e as sociedades são sistemas que se integram uns nos outros, similares a matrioskas. Devem funcionar em harmonia e coerência entre si. Como sistemas abertos são entidades vivas com comportamentos dinâmicos que, por vezes, se desalinham e se ajustam aos novos ambientes.


A sociedade de mercado pode comparar-se ao corpo humano vivo. Ambos são sistemas dinâmicos e adaptativos. A vida ou a prosperidade da sociedade dependem muito da interação e comunicação entre as suas unidades.


As células são unidades que produzem vida. Correspondem às organizações da sociedade como as empresas. Para o sistema se adaptar aos ambientes em mudança, as unidades celulares não se preservam eternamente. Morrem e renascem continuamente renovando o corpo. Quando se preservam ou nascem com defeito, se não forem eliminadas, geram cancros que se alimentam do corpo, podendo levar à morte. A sociedade de mercado tem de aceitar a morte das empresas, quando já ultrapassadas, e incentivar a renovação com novos e inovadores negócios (start-ups). Caso contrário, será um corpo morto.


Os agentes no corpo humano são as bactérias, leucócitos ou linfonodos. Trabalham para o defender. Na sociedade são os humanos que interagem nas organizações e no mercado. Para enriquecer o sistema, na sua diversidade e qualidade, todas as unidades são essenciais. A globalização beneficiou as sociedades humanas. Aproveitou as melhores aptidões e condições singulares. Melhorou a eficiência. Pelo contrário, o isolamento tende a criar conflitos, iniquidade e ineficiência.


Para finalizar, é o sangue que alimenta as células no corpo vivo e movimenta os agentes (imunológicos) entre as mesmas. Na sociedade de mercado, a função equivalente é desempenhada pelo dinheiro. Para o sistema viver, quer o sangue ou o capital terão de fluir em contínuo para alimentar todas as células (empresas) e agentes. Se o fluxo for interrompido, todo o corpo morre.



MAS, INTERESSA O PENSAMENTO SISTÉMICO?


Interessa, pois a abordagem linear parece conduzir a muitos erros e vieses, por exemplo na economia e no ambiente financeiro. Vivemos num sistema integrado e a natureza poderá extinguir-nos apenas para se defender. O COVID-19 parece ser um aviso da natureza.


Mas não podemos dispensar a tecnologia que nos beneficia a todos. É ridículo pensar em voltar às vidas simples do passado defendidas por radicais. Seríamos mais de sete mil milhões a morrer de fome, doença, dor e miséria. Hoje, temos tecnologia para beneficiar todos, mesmo todos os humanos, e usar com eficiência e sustentabilidade os limitados recursos do planeta. Mas, requer-se aplicar outras metodologias.


Quando vivemos num sistema, até um pequeno vírus pode influenciar o todo, seja um corpo humano, seja a sociedade como atualmente.

Sem ter uma informação fiável quanto à evolução da pandemia, não será ainda credível qualquer previsão sobre o futuro. Na turbulência das crises, foram eventos casuais e insignificantes que mudaram a História. Por exemplo, apenas porque o motorista do arquiduque Francisco Fernando se enganou numa rua de Sarajevo, num fatídico dia de 1914, levou ao assassínio que conduziu à primeira guerra mundial. Esta levou à guerra mundial seguinte. Por falar em vírus, em 1917, para ganhar vantagem na frente oriental, o exército alemão transportou Lenine da Suíça para a Rússia o qual iniciou a revolução bolchevique.

São dois eventos dispares e imprevisíveis que nos conduziram ao ambiente politico, social e económico em que vivemos. Se não tivessem ocorrido o futuro presente seria outro, os protagonistas atuais não seriam os Estados Unidos e China, pelo menos nesta versão.


E QUANTO AO COVID-19?


O COVID-19 é apenas mais uma pandemia entre tantas na sua História humana. Trata do processo natural de adaptação contínua ao ambiente em mudança, a qual elimina os mais frágeis ou desajustados. As maiores vítimas são agora os idosos e doentes crónicos. É terrível para todos. Como a vida humana não deve ter um preço, a pandemia tem de ser prevenida e mitigada. Entretanto, muitos mais humanos estão a morrer com outras patologias, mas são esquecidos. Porquê? Porque pensamos e agimos de forma linear. Resolve-se um tema por vez. Agora, é o COVID-19 que está na agenda.


O COVID-19 está a interromper fluxos essenciais no sistema. Neste caso, está a interromper a mobilidade das pessoas com atividades, um dos fluxos essenciais para o sistema económico. Como um cancro, a continuar sem o tratamento certo no médio prazo, irá afetar outros fluxos. Os fluxos de bens estão na sequência porque o comércio mundial abrandou, sem produção industrial, nem transportes, daí a quebra na procura de combustíveis.


As consequências serão imprevisíveis e muito graves se a crise se prolongar. Poderá manter-se ainda durante muito tempo com surtos sucessivos, ou alastrar pelo mundo. Se findasse em agosto seria uma leve depressão, um ajustamento com recuperação rápida a partir do final do ano. Mas, a demorar muito, a maioria das pequenas empresas celulares não irá resistir, face à sua descapitalização e dependência da contínua geração de cash-flows.

Parte da máquina produtiva poderá desaparecer face a sucessivas insolvências, execuções, despedimentos. Mesmo que a procura aumente a seguir, poderá não existir resposta rápida e pertinente pelo lado da oferta. Se faliu, terminou, provavelmente não reinicia. Esta situação pode conduzir à fome sobretudo em países pobres. Daí, até à emergência de conflitos desesperados e sangrentos vai um passo. As guerras iniciam assim.


As crises prolongadas tendem a mudar as sociedades. Por exemplo, com toda a dor e morte gerada, a peste negra na idade média levou ao fim do feudalismo, à expansão das cidades, ao capitalismo, ao renascimento e até ao protestantismo pela revolta contra as bulas papais.

O COVID-19 pode ser um acelerador para as mudanças já em curso. Poderá ser fator de correção de ineficiências instaladas na sociedade de mercado, como o sistema financeiro. Antes de Janeiro, os media inundavam com notícias sobre a crise climática, a crise financeira global, as desigualdades sociais, a guerra da Síria, os conflitos entre os Estados Unidos e a China ou o Irão. São temas ainda na ordem do dia. Apenas aguardam para explodir, criar novos eventos agora imprevisíveis, e transformar tudo o que consideramos certo.



Mais, são as indústrias da quarta revolução industrial a beneficiar do COVID-19. Sejam os sistemas de deteção de contaminados usados na China (Inteligência Artificial), o interesse na procura de vacina e tratamentos para a doença (Biotecnologia), os sistemas virtuais de trabalho e comunicação, entre outros. Não faltará muito para ter veículos autónomos a movimentar pessoas isoladas. Ou a robótica que produz com o suporte de menos pessoas ou para ajudar idosos em isolamento. Ou, os sistemas de produção e armazenamento de energias renováveis para substituir as fontes poluidoras agora em crise.


Irão certamente emergir novas situações, agora imprevistas. Sem fluxos de pessoas, o sistema está a responder com menor produção industrial poluidora e baixa de preços do petróleo. Os níveis de poluição decrescem imenso, o que não foi conseguido com anos de (des)acordos entre nações.


O QUE NOS ESPERA? PROVAVELMENTE SERÁ DIFERENTE DO QUE JULGAMOS.


Lisboa, 4 de Maio de 2020

João Correia Gomes


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