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Foto do escritorJoão Correia Gomes

CIÊNCIA E TECNOLOGIA: LUZ PARA VENCER ESTA CRISE


Claro, o progresso é virtuoso. O sucesso da humanidade liga-se a forma como usou a inteligência para melhorar a sua posição de domínio na natureza. Será que é real?


O livro “A Terra Inabitável” de David Wallace-Wells é uma obra terrível, mas pertinente. Coloca o dedo na ferida sobre o que evitamos ver. Pode exagerar um pouco, ou talvez não. Talvez tenha de abanar consciências para se considerar a ameaça. Até porque a ciência alertava já com frequência e acutilância. A mudança acontece quando gera reações agressivas por parte do status quo, sejam ditadores emergentes (Trump e outros), sejam negócios instalados. Investiram muito capital nas tecnologias arcaicas, mas muito poluentes, logo não podem abdicar das mesmas. Para já, não é preciso muito esforço enquanto a crise climática e a poluição não afetar a vida dos povos com maior poder e projeção global: europeus e norte-americanos. Um grupo que vive numa espécie de “futilitarismo humano” um termo criado por Sam Kriss e Ellie Mae O’Hagan em artigo de Setembro de 2017 títulado de “Tropical Depressions”: Os humanos acham-se triunfantes, mas na realidade estão numa marcha estúpida em caminho da extinção; comportam-se como zombies e, neste estado, “não se sentem tristes, nem impotentes; existem, e pronto”.


Não, a causa da crise não é o vírus. Este pode ser apenas o detonador. Vive-se numa convulsão plena de detonadores mais ou menos ignorados (leia a última obra de Bernard-Henry Lévy). O mundo não sabe ainda e precisa de mudar. A maioria dos regimes políticos oculta essa necessidade para conquistar os interesses imediatos. Deixa-se a incerteza para o futuro para filhos e netos. Para o mundo aderir à mudança precisa de um líder credível. A União Europeia (EU) seria opção. Os EUA parecem perdidos por agora (Trump?). A China e India estarão atoladas na forte contaminação que enfrentam. Só alguns blocos influenciam o mundo. Apenas quando o COVID-19 entrou na Europa (Itália) e matou pessoas é que passou a ser percecionado no mundo. O COVID-19 mata, mas sem significado quando se compara com outras epidemias. A malária mata muito mais, mas em regiões invisíveis sem poder. Abundam eventos que matam muito mais, mas não contam para a consciência global, como seca ou poluição.


A UE é talvez o bloco político mais focado em criar uma sociedade baseada numa economia descarbonizada, não dependente de combustíveis de origem fóssil (que tem de importar). A riqueza é produzida com a brutal destruição da natureza. É um modelo político-económico algo hipócrita que se alimenta, e lucra, com as disparidades que gera no mundo. É apontado como um “aparelho de justificação” por Thomas Piketty: Se os maiores emissores poluentes do mundo, os 10% do topo mundial, reduzissem as suas emissões para a média da UE, as emissões globais reduziriam em 35%.

O modelo económico instituído mede a riqueza pela produção medida no PIB. Este não contabiliza a pegada ecológica, como os efeitos do carbono, plástico, aridez ou a perda de diversidade. Para prover “bem-estar”, a economia tem de crescer em contínuo. Mas, se medida pelo PIB, quanto mais cresce a economia, mais a natureza sofre e se esgota de recursos materiais. O planeta é um sistema fechado que não importa matéria do exterior, embora sem limite quanto à energia. Como sempre aconteceu, o planeta tem a fonte inesgotável de energia que é o sol (os fósseis são energia solar armazenada). No atual processo dependente do desperdício de matéria, o sistema sofre uma enorme variação entrópica que, em breve, estabilizará no máximo. E, o planeta morre. Ou, então, em alternativa, o planeta mata o seu “vírus”, a humanidade. Nós.



Não se limita o uso de energia com origem solar direta ou afins. Mas, este modelo económico carece de transformação. Requer o uso sóbrio de matéria-prima substituída por energia abundante. A economia deve mudar da produção e consumo intensivo de bens para a venda do seu uso partilhado com tecnologia que consome energia local. Crescem os serviços e a produção manual é substituída pela produção automatizada.


Com o European Green Deal, a EU pode obter um trampolim de progresso que permita saltar para um outro nível competitivo, muito acima e distinto dos seus concorrentes diretos ainda agarrados a tecnologias arcaicas, demasiado poluidoras que envenenam humanos e ecossistema; exigem mão-de-obra abundante e barata (até escrava) que a Europa dispõe cada vez menos.

No atual estádio eco-económico, apenas pela ciência e tecnologia (engenharia) se poderá contrariar o escape à extinção certa. Manter o atual paradigma industrial, com origem nas primeiras revoluções industriais, caminha-se para o suicídio coletivo. E a natureza para o ecocídio. Claro, o progresso granjeado dos últimos séculos deve muito ao direito e instituições, e às ciências sociais como a economia. Os primeiros são essenciais para a prover confiança no sistema económico. As segundas são a base para a otimização dos fluxos que dinamizam sociedades e economia. Mas, o progresso de que beneficia a humanidade não seria possível sem o suporte científico e a sua concretização prática, pela tecnologia obtida pela Engenharia. Os líderes económicos mundiais, como a Alemanha, são sociedades que relevam e valorizam a engenharia, um conhecimento técnico essencial para vencer os obstáculos que a economia cria.


É certo que a riqueza atual liga-se à disponibilidade de energia barata a partir de recursos fósseis enterrados no subsolo. Ou seja, energia solar contida em infindos cadáveres de vegetais e insetos acumulados e pressionados em milhões de anos. Além da energia, carregam carbono que, pela queima, se liberta para o ecossistema em tempo tão curto que o planeta não consegue recuperar. Foi essa energia “suja” que permitiu aos engenheiros criar máquinas cuja movimentação transportou em escala e rapidez, com alívio do trabalho muscular. Esse era o mundo cuja riqueza dependia da produção de bens materiais com transformação de matéria-prima pelo trabalho.


Entretanto, emerge a consciência de um terceiro fator para a criação de riqueza, além da matéria e do trabalho. Foi a informação. Antes da terceira revolução industrial a informação movia-se apenas por meio físico, a folha de papel. Mas, emerge um meio muito mais eficiente: o bite. Mais uma vez, tecnologia criada por engenheiros. O circuito integrado, as redes de cabos ou eletromagnéticas, permitiam a informação fluir por todo o mundo, de forma quase instantânea e pulverizada por todos os computadores. Tal mudou a estruturas das organizações, que foram largando modelos ancestrais de base hierárquica (militar) para se adaptarem a organizações em rede, mais eficientes. O dinheiro passou a ser informação; circula em milhões de dólares em nanosegundos. São intangíveis em atividades como gestão (logística, financeira), marketing ou design que marcam a diferença e o poder das sociedades e empresas.

Assim, reforça-se a ideia que a criação mais efetiva de riqueza depende da gestão de fluxos: energia; informação; capital; pessoas; bens. Cada vez menos é a abundância de mão-de-obra (barata ou escrava), recursos materiais ou combustíveis fósseis que nos extinguem. A produção eficiente de bens corpóreos depende menos do trabalho humano, manual ou muscular, quase sempre mal pagos. O poder e a eficiência proveem mais do planeamento, comunicação e controlo dos fluxos através da informação. Com a Inteligência Artificial, o trabalho físico básico será cada vez mais executado pela máquina mediante instruções prévias (em bites).


O valor criado está menos no fazer, e mais no saber, pensar, planear, estimar, instruir, comunicar, monitorizar, rever. O humano deve ser habilitado para o âmbito presencial (cuidados humanos), a criatividade e conhecimento. É um modelo que joga bem com o contexto atual europeu em envelhecimento.


Conforme é bem pensado na estratégia europeia para o quadro pós 2020, joga-se uma maior aposta nas tecnologias de digitalização, na descarbonização, na automação, na biotecnologia. São temas que dependem sobretudo da ciência, engenharia e inovação, mas não o campo de anquilosados temas da engenharia formatada e saudosista de tecnologias arcaicas, quase sempre grandes emissoras de carbono com metodologias criadas há mais de 100 anos. A engenharia deve ser sinónima de mudança. Na Europa, tendo em conta investimentos e o ambiente institucional implantado, será provavelmente a região na banda entre a Alemanha e Escandinávia a liderar a nova indústria baseada na tecnologia digital e energia sustentável, não poluente.


Para Portugal deverá ser difícil acompanhar este movimento. Não basta ter tecnologia adquirida ao exterior. Esse modelo é até comum há séculos; conduziu à sociedade de baixa produtividade e baixos salários. Deve ser muito mais do que isso. Teria de existir uma revolução interna.

Os fundos para desenvolvimento tendem a ser distribuídos para grupos económicos já instalados, que esperam obter rendas e têm visão de curto prazo sem risco. A inovação está ligada a uma atitude disruptiva e desafiadora, como jovens cientistas desligados de compromissos económico-políticas. Há que vencer a mentalidade da classe líder do país e boa parte dos técnicos, conservadores, agarrados a dogmas ou interesses pessoais ou de grupo. Não se valoriza a ciência e engenharia em relação a outras profissões, cuja função não é criar soluções técnicas, e antes gerir fluxos de interesses ou capitais. Configura um ambiente social favorável para exportar a juventude competente mais ambiciosa para o norte da Europa onde é bem recebida para ganhar competências; além de criar família, os futuros provedores de fundos de pensões.


Apresentam-se grandes desafios para o futuro da Europa (e Portugal).

Será que consegue vencer?

Lisboa, 31 de Julho de 2020


João Correia Gomes


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