Exclusivo publicado na 1ª Edição Engenho&Arte, Março 2021 - Revista AQUI
A construção de qualquer edifício obriga a um projecto de estabilidade, para dimensionamento da sua estrutura, cujo prazo de utilização mínimo é de 40 anos, mas que se pode estender por décadas, ou séculos.
Para que um edifício, ou qualquer construção, resista muito tempo são essenciais duas condições: ter fundações estáveis e ter uma estrutura resistente a intempéries e sismos. Não vou abordar o dimensionamento de estruturas anti-sísmicas, mas vou começar por baixo e pelo mais básico: as fundações.
A construção de edifícios tem geralmente um projecto completo e que inclui um estudo geológico do solo, onde estes serão implantados. Mas, na construção de moradias, esse estudo não existe e a escolha da melhor solução de fundações, face ao solo particular para cada caso, é uma decisão importante, com consequências (boas ou más), para a futura qualidade da construção. Se adicionarmos a isto o facto de muitas pequenas empresas de construção não terem engenheiros a dirigir obras (infelizmente, há empreiteiros a pagar uma avença a recém-formados, para terem alvará, sem nunca marcarem presença em obra), temos condições para uma obra começar mal.
Esperar que um pequeno empreiteiro vá consultar um geólogo ou um engenheiro geotécnico é estar fora da realidade actual, quando às vezes nem engenheiros têm no terreno. Assim, cabe-nos a nós, técnicos em Engenharia, defender a qualidade do nosso edificado e a boa construção em Portugal.
"SE NÃO ENCONTRAMOS ROCHA, COLOCAMOS A ROCHA LÁ EM BAIXO!"
Portugal é um pequeno país, mas ainda assim com diferentes tipos de construção tradicional, na sua história mais recente.
Se a Norte do Tejo temos construções onde predomina a alvenaria de pedra, no Alentejo e no Algarve temos construção onde predomina a taipa e a alvenaria de tijolo, inicialmente de argila seca ao Sol. Estes dois tipos de construção distintas, com pesos de paredes muito diferentes, obriga a criar fundações assentes em rocha no Norte do país e fundações em solo rijo (até porque a rocha é mais rara), do Tejo para Sul.
Se bem que castelos, mosteiros, catedrais e igrejas eram edifícios com uma construção mais cuidada e com fundações bem estudadas, a grande maioria das casas do cidadão comum, não seguiam nenhum estudo e apenas a opinião experimentada do construtor.
Assim, em Portugal, quando começam a ser construídos edifícios com mais que um piso, para nobres ou para uso público, as fundações começam a ser mais bem estudadas.
Desta forma nascem as paredes enterradas de alvenaria de pedra, como fundação de edifícios, à semelhança das masmorras dos antigos castelos e construção palaciana. Se os edifícios não podem ser fundados na rocha, como já Cristo afirmava, as paredes de alvenaria de pedra são uma base sólida para a construção de um edifício durável. Se não encontramos rocha, colocamos a rocha lá em baixo!
Com o sismo de 1755, percebemos que a alvenaria de pedra seca não é estável e que a construção de paredes mistas de pedra e argamassa bastarda (de saibro e cal) também não.
Assim, o Marquês de Pombal, mandou fazer estudos para executar as melhores fundações e a estrutura mais resistente a sismos. Daqui surgiram duas inovações: as fundações em alvenaria de pedra assentes em estacas de pinho verde, cravadas no solo, e a estrutura em “gaiola pombalina”.
As estacas de madeira permitiam uma segurança extra, no solo de Lisboa composto de argilas e de antigos lodos do Tejo consolidados, mas muito húmidos. Esta humidade permanente fazia com que o pinho verde não sofresse degradação, ao longo do tempo. No entanto, as obras do metropolitano e os edifícios com caves vieram a alterar as cotas de níveis freáticos e a provocar o apodrecimento da madeira das antigas estacas, agora sujeita a variações de humidade, ano após ano.
A estrutura em “gaiola pombalina” tem alguma flexibilidade, para resistir a abalos sísmicos, mas precisa de boas fundações, para não haver assentamentos diferenciais nos edifícios do século XVIII.
Já no século XX, as estruturas de betão, mais pesadas que as estruturas anteriores, vieram obrigar a um estudo mais aprofundado do solo e das fundações.
Karl von Terzaghi (1883-1963), foi um engenheiro austríaco, que emigrou para a América e que é conhecido como o pai da Mecânica de Solos e da Engenharia Geotécnica.
A construção dos edifícios de fachadas de pedra de vários pisos, nos Estados Unidos, deu muita discussão, a nível académico e com construtores e empresas de prospecção de solos, dado que também é um país com petróleo. Assim, em 1947, na Conferência de Mecânica de Solos e Engenharia de Fundações da Universidade do Texas, em Austin, o Eng. Terzaghi deu a conhecer um método de estudo da capacidade do solo, que ainda usamos hoje em dia: o Standard Penetration Test, mais conhecido por SPT. Este teste serve para determinar o terreno “fixe”, ou seja, o solo firme, com grande capacidade de carga, que é o terreno original, compactado pelo tempo, onde a tensão superficial é segura o suficiente para a construção.
A capacidade de carga encontrada pelo método SPT, de Terzaghi, consiste em cravar um tubo de 50,8mm exteriores (35mm interiores), no solo, com um peso de 140 libras (63,5 Kg) largado em sucessivas pancadas, de uma altura de 30 polegadas (76,2 cm). O tubo é graduado em intervalos de 15cm, a cravação dos primeiros 15cm não é considerada e quando, para conseguirmos cravar dois troços (30cm), tivermos de dar mais de 10 pancadas, atingimos o solo com boa capacidade de carga. Como o tubo é oco, este teste permite-nos ainda recolher amostras do solo e saber quando atingimos o nível freático.
Como por dois pontos conseguimos passar uma linha recta e por três pontos conseguimos passar um plano, para sabermos a profundidade do solo de um lote de terreno, num plano abaixo do solo, precisamos obrigatoriamente de 3 testes SPT, isto porque os estratos do subsolo raramente são horizontais.
Esta é a informação essencial para fazer qualquer projecto de estabilidade de um edifício, pois precisamos de saber qual é a capacidade de carga do solo e de admitir uma tensão admissível para o solo onde vamos implantar o edifício.
Com o SPT, conseguimos saber a profundidade mais aproximada, nos vários pontos da implantação do edifício, onde vamos localizar as sapatas de betão armado. Como o solo não é perfeitamente homogéneo, é seguro acrescentar mais 20cm de escavação, ao cálculos segundo o plano definido pelos 3 pontos do SPT.
Ainda assim e devido a características pontuais do solo, às vezes ocorriam assentamentos pontuais de sapatas, que originavam fissuras, nos edifícios. Para resolver este problema e para evitar assentamentos diferenciais entre sapatas, os engenheiros criaram as vigas de fundação, que distribuem esforços e dividem acções de carga e consequentes tensões do solo.
"CRIAMOS UMA ROCHA ARTIFICIAL (EM BETÃO ARMADO), ONDE COLOCAMOS OS PILARES"
Uma solução complementar e segura para os trabalhadores, quando o “fixe” do solo está a grande profundidade, é fazer pegões em betão ciclópico, ou seja, é encher os buracos (quadrados ou rectangulares), com betão simples e pedras limpas, para fazer as sapatas a uma cota mais acessível.
Quando um solo é demasiado macio e argiloso, por ser zona de aluvião ou de um grande aterro, há duas soluções: ou faz-se um ensoleiramento geral, ou fazem-se fundações indirectas.
Um ensoleiramento geral é uma sapata a toda a dimensão do edifício e também evita assentamentos diferenciais. Se não encontramos rocha, nem terreno firme, criamos uma rocha artificial (em betão armado), onde colocamos os pilares.
No entanto, se o solo for suficientemente plástico, devido a argilas e níveis freáticos altos, mesmo o ensoleiramento geral não é seguro: o edifício pode assentar de um só lado, como a Torre de Pizza!
Para solos muito plásticos e húmidos, a melhor solução são as fundações indirectas: as estacas.
As estacas podem ser pré-moldadas (pré-fabricadas), ou ser executadas in situ.
As estacas pré-moldadas são cravadas em buracos parcialmente abertos, ou no fundo de rios, para a execução de pontes.
Há ainda estacas encamisadas a tubos de aço e estacas em que os tubos de aço são cravados, para depois encher de betão. Foi assim que construímos a Ponte Vasco da Gama, sobre o leito do Rio Tejo. Esta bela ponte, tem 1916 estacas, constituídas por tubos de aço (de diâmetros entre 1,70 e 2,20m), cravados no leito do rio dragado e posteriormente cheios a betão. Os dois pilares principais da ponte têm 44 estacas cada.
"FOI ASSIM QUE CONSTRUÍMOS A PONTE VASCO DA GAMA, (...) ESTA BELA PONTE, TEM 1916 ESTACAS, CONSTITUÍDAS POR TUBOS DE AÇO, CRAVADOS NO LEITO DO RIO DRAGADO E POSTERIORMENTE CHEIOS A BETÃO. OS DOIS PILARES PRINCIPAIS DA PONTE TÊM 44 ESTACAS CADA."
Para as estacas executadas in situ, é aberto um buraco circular com um trado (hélice sem fim, articulada a um engenho mecânico). O trado tem um eixo em tubo oco, onde após atingir a profundidade desejada é injectada bentonite (argila não orgânica), para conter as paredes do buraco. Depois, pelo mesmo tubo (do eixo do trado) é injectado betão, por um camião bomba ligado ao trado, à medida que o trado sobe. A bentonite transborda do buraco, à medida que este é cheio com betão, de baixo para cima.
Com o buraco cheio de betão fresco e com o trado fora do buraco, é cravada a armadora da estaca de betão armado, executada no local. Esta armadura tem geralmente o comprimento total do ferro, ou seja, 12 metros.
Depois do betão seco, são saneadas as cabeças das estacas, ou seja, são demolidos os troços superiores das estacas, para remover o betão com vestígios de bentonite e para descobrir a armadura, a fim de executar as sapatas, apoiadas na quantidade de estacas definidas pelo projecto.
Assim, foram construídas as fundações do Quartel dos Bombeiros Voluntários de Vila Franca de Xira, por exemplo.
Estas são as várias formas de bem construir fundações, em qualquer lugar.
Em Portugal, temos construção muito variada: desde edifícios muito altos a construções junto ao rios, como em Aveiro, a nossa Veneza. Temos ainda pontes, projectadas e construidas por portugueses, em Portugal e no exterior.
De 1990 a 1999, a União Europeia produziu 9 Eurocódigos, para o cálculo e dimensionamento de estruturas: Bases do Projecto de Estruturas, Acções de Estruturas, Projecto de Estruturas de Betão, Projecto de Estruturas de Aço, Projecto de Estruturas Mistas Aço-Betão, Projecto de Estruturas de Madeira, Projecto de Estruturas de Alvenaria, Projecto Geotécnico, Projecto de Estruturas Resistentes a Sismos e Projecto de Estruturas de Alumínio.
Para aprofundar este artigo, aconselho a Parte 1 do Eurocódigo 7, “Projecto Geotécnico”, constante da Norma Portuguesa “NP EN 1997-1 2010”.
Exclusivo publicado na 1ª Edição Engenho&Arte, Março 2021 - Revista AQUI
31 de Janeiro de 2021
Mário Baleizão
Engenheiro técnico civil (OET)
Técnico superior de segurança no trabalho (ACT)
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