O domínio humano no planeta deve muito às condições de protecção, conforto e eficiência. Com um corpo frágil, eram os ambientes que envolviam os homens que permitiam realçar as sua capacidades intelectuais e criativas. Prosperaram assim na Natureza. Sem tais condições, os humanos não passariam de uns símios, um pouco mais evoluídos, mas sempre a fugir dos habituais predadores.
O ambiente essencial para a prosperidade humana não é a natureza em bruto, embora seja essencial para a vida. Na abordagem primária, trata do ambiente que se insere no quadro dimensional do espaço-tempo onde se cumpre certos requisitos, seja o movimento humano ou o conforto térmico. Mas, integra ainda ambientes mais intangíveis de cariz humano, institucional e informacional.
Essa configura a principal função do imobiliário, prover ambientes pertinentes ao uso e produção humana, usando e transformando a natureza. O imobiliário (ainda hoje) tido como edificado construído é muito redutor; desajusta-se numa economia moderna. A construção é o meio e não o fim do imobiliário.
O conceito imobiliário ligado à construção, empírico e pouco científico ainda permanece em economias mais conservadoras. Hoje, é vestígio de civilizações agrícolas cuja principal tecnologia era a arquitectura. Esta está na fundação da civilização, originou o conceito de ordem (organização social) e a geometria (matemática e ciência). O edificado projectava poder, ordem e eficiência com efeitos psicológicos sobre os povos.
Nisso, os romanos eram exímios.
O património imóvel foi embrião de afirmação de poder e domínio, como forma mais assertória até à primeira revolução industrial. A posse da terra garantia a sobrevivência. O poder das famílias provinha da posse de terras produtivas. Essa cultura de base rural permanece ainda hoje, metamorfoseada na posse da casa, requisito em assegurar abrigo. Em sociedades avançadas e cultas, como no norte da Europa, é menos comum esta cultura de posse privada.
Na primeira era industrial, as multidões rurais afluíram de forma massiva para as zonas industrializadas o que obrigou à renovação urbanística das cidades. O saneamento e as redes viárias são duas das mais úteis invenções humanas, não tão reconhecidas, mas prolongaram a esperança de vida e aumentaram a eficiência das economias. A ótica deste tipo de investimento pesado, público, foi o longo prazo e ainda hoje sustenta as cidades mais prósperas do mundo.
Mas, a expansão das cidades e o quadro institucional da primeira era industrial não permitiam assegurar habitação para a maioria da população. Apenas uma minoria conseguia ter casa própria e uma pequena elite tinha capital excedente para construir e arrendar para outros. A maioria vivia em fogos, em geral, diminutos e não adequadas. Como padrão, vivia-se em casas arrendadas.
A segunda era industrial expandiu a classe média. A população beneficiava de emprego estável, até para toda a vida. Mesmo os operários tinham melhores salários devido à melhoria da produtividade. Crescia o consumo de bens com grande visibilidade como a casa própria e o automóvel. A pressão era enorme para produzir habitação em escala para a enorme população que emergia nas cidades. Os provedores tradicionais de então, ligados ao arrendamento ou o Estado, não conseguiam satisfazer a procura crescente. Precisava-se de uma solução esperta para resolver o problema.
Em paralelo, surgiu uma revolução nas estruturas institucionais. Na década de 1950 emergiram os regimes jurídicos de propriedade horizontal e do crédito hipotecário. Estes, combinados, deram origem a um novo modelo de produção imobiliária, hoje é o padrão, a construção de imóveis para venda de fracções ou lotes autónomos com apoio bancário. Teve um arranque tímido na década de 1960, mas uma expansão exuberante nas décadas seguintes. Foi de tal modo bem-sucedido que, em países como Portugal, julga-se não existir alternativa viável além da aquisição de casa própria (com empréstimo). É o modelo de negócio típico da segunda revolução industrial.
A perspectiva dos produtores passou a ser de médio prazo, findando na venda das unidades autónomas. Mas, o negócio imobiliário foi sempre de longo prazo! E não é possível ser menos. Mudaram os protagonistas do negócio que deixaram de ser os senhorios de outrora para serem os bancos com crédito hipotecário a ambos os lados do processo – os construtores e os compradores de imóveis. As rendas passaram para os bancos que tinham uma óptima fonte de cash-flows a gerar no longo prazo, baseados em salários domiciliados em conta bancária. O crédito atraiu imensos interessados em construir para vender, alguns oportunistas atraídos por capital fácil. Interessava construir para vender, criou-se uma cultura de médio prazo, baixa qualidade, mas alta aparência. A função de mediação é valorizada. A função de projectar e estudar passou a ser um custo a minimizar.
Este modelo teve uma longa época de ouro que findou nas crises financeiras de 2008 (subprime e depois da divida soberana). Nos últimos dez anos, o sistema bancário dedicou-se à resolução de graves problemas gerados pelo crédito mal parado. Ainda hoje, muitos projectos imobiliários em curso que provêm de anteriores carteiras de crédito mal parado, beneficiam de forte financiamento. Existem excepções a este padrão, nos produtos que dispensam o crédito à habitação, como os nichos que apostam no luxo ou o turismo. Beneficiam sobretudo cidades recém descobertas e atraídas por estrangeiros. Porém, não são o padrão do imobiliário nacional, em geral.
Perante a próxima crise económica, que se prevê enorme após a pandemia, não deverão manter-se as condições do passado para prosseguir com o tal modelo de negócio tradicional. Esperam-se muitos factores disruptivos que irão afectar como sejam: o desemprego massivo; a falência de muitas empresas já descapitalizadas; a segunda crise do hipotecário em uma década; a população envelhecida; a emigração dos jovens qualificados em STEM, mas os necessários para o progresso da economia. Para este definhamento não ser demasiado arrasador, terá de mudar o modelo económico. E o Futuro não se prevê, constrói-se já com os meios actuais.
Como deverá ser o modelo de negócio na civilização emergente?
Claro que a procura para aquisição de imóveis para uso privado irá manter-se. Existirão sempre pessoas com capital que dispensarão o crédito, sejam estrangeiros ou nacionais de classes elevadas. Mas, são nichos do mercado, não são o padrão de mercado. Para crescer, a economia precisa de modelos de negócio com produção e venda em escala para a maioria.
A sociedade do futuro será mais dinâmica do que a actual. Beneficiará dos enormes fluxos proporcionados por tecnologia. Mobilidade e Flexibilidade serão as novas palavras de ordem, mesmo a contrariar o actual status quo criado na segunda era industrial. Só o que muda pode evoluir. O imobiliário terá de se adaptar a novos paradigmas, criar sinergias para a economia.
Por exemplo, a economia precisa de juventude qualificada nas áreas que criam valor efectivo. A aposta deve ser contrária à postura actual que deixa os nossos jovens mais brilhantes emigrar para não voltar. É necessário prover ambientes flexíveis, ajustados para os jovens, e atrair estrangeiros, a fixarem-se no país. Eles não quererão ficar presos a crédito como os seus pais. Querem liberdade de escolha, ter ambientes em que possam interagir. Dão valor a segurança, conforto e serviços que pagam conforme o uso. O corrente conceito de venda de imóveis é ultrapassado pela venda do espaço-tempo com ambientes e serviços apropriados. Soluções imobiliárias, como o coliving e o coworking entre outras, irão substituir as soluções correntes, já datadas para as novas necessidades.
Este país requer investimento massivo para melhorar os sistemas de produção em eficiência e produtividade. A solução mais sustentável e competitiva seria pelo mercado de capitais, não ser apenas dependente do crédito. Para atrair capital externo, é essencial gerar a confiança. Para tal fim, é essencial o papel do Estado e do profissionalismo dos agentes. O país tem condições naturais, humanas e geográficas para o óptimo desempenho imobiliário, mas não chega.
Um poder legislativo, fiscal e judicial ineficiente, instável, lento, burocrático não atrai, mas afasta. Nesta condição, o país tem um único caminho: a pobreza.
Com a revolução institucional deve emergir uma profunda mudança da cultura empresarial. Esta deve ser menos dependente e servil do poder público, mas mais exigente e reivindicativa através da associação e formação. A formação serve para encetar a inovação e a perda de receio ao mercado de capitais, as vias para ganhar em competitividade internacional. O empreendimento eficaz e eficiente exige capital para ganhar competitividade, valoriza o conhecimento técnico e criativo, processos racionais e industrializados, gestão dinâmica.
Este modelo cola com o capitalismo que será padrão no século XXI, cada vez mais institucional e partilhado expresso pela titularização dos activos (SIGI). Será essencial o Plano de negócios (mas profissional) e o sistemático processo de promoção, reforçando o papel do conhecimento técnico como a engenharia, arquitectura, gestão de quantidades e qualidade, negociação e contratação.
Parece evidente que o sector imobiliário terá de se abrir para a mudança, adaptar-se à nova civilização a emergir. Não poderá continuar agarrado aos paradigmas do passado, embora tivessem a sua época de ouro, não repete. Pois, é passado…
Lisboa, 30 de Junho de 2020
João Correia Gomes
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