O que se passa?
Em 2020, o mundo entrou em caos por causa de um vírus que se desconhecia. Mas, o Covid-19 é apenas a pequena ponta do iceberg e, na História, será apenas uma nota de rodapé. Pode ter a virtude de avisar para eventos muito mais graves, os quais poderão complicar a sério a vida de toda a sociedade. E será apenas um vírus?
Os cientistas estimam que o planeta está sujeito ao advento de mais de um milhão de vírus, distintos e desconhecidos. Repito, um milhão de vírus desconhecidos. E, com as bactérias, o panorama é ainda pior, pois são mais agressivas e é maior a ignorância sobre eleas. Microrganismos e outros agentes patogénicos congelados há dezenas de milhares de anos estão a libertar-se dos gelos “permanentes” que derretem no Ártico e Sibéria. Sem falar do gás metano que se liberta. Ou, a reflexão da luz solar cada vez menor. Ou, o envenenamento do ar, da água doce, do mar, do solo. Ou, o aquecimento global devido à libertação do CO2, mais a subida das cotas superficiais do mar que irão submergir as cidades, onde hoje vive a maioria da população, a qual deixará de ser alimentada face à desertificação dos solos e à escassez de água. O que isto irá significar em mortes (de humanos e da vida em geral), na emergência de guerras (talvez as guerras no Médio Oriente não estejam desligadas destes eventos). A lista de situações horríveis que estão a acontecer é tão extensa pelo que se aconselha a leitura de bibliografia mais completa.
Mas, o mais provável será manter o status quo, como os modelos económicos, sociais ou políticos instituídos nos últimos dois séculos. Como se observa na História (a segunda guerra mundial é um bom exemplo) a humanidade não quer ver nem mudar. Vive-se na sociedade de mercado em que o TER prevalece sobre o SER. Parece que precisamos da aprovação dos outros, os quais copiamos. A adaptação decorre de modo lento. E, o que está longe da vista e do corpo sensível não existe para nós. Assim, entre todos, experienciamos, sem saber, um certo suicídio coletivo (e um ecocídio), embora suave e lento.
Além da cegueira humana, junta-se o egoísmo individual ou da tribo. É um conceito muito próprio da economia atual, embora já definida no século XVIII na Riqueza das Nações. São princípios que regem ainda as nações, observam-se nos seus dirigentes (EUA, Brasil, Rússia, Turquia) ou nas dificuldades em ter acordos na União Europeia. Este bloco poderia ser o mais poderoso do mundo, liderando com as melhores políticas democráticas ou na preservação do planeta, a inspirar outros povos, mas é provável que o egoísmo de algumas nações impeça a União e conduza à sua desagregação. Com esse caminho, em vez de ser um bastião de paz, existe grande probabilidade da Europa regressar a um futuro de guerra e de pobreza geral.
É Pena!
Neste mundo de respostas lentas e contraditórias, no final de inevitáveis guerras, quando os oceanos submergirem as cidades mais habitadas e ricas do mundo, se esgotar o solo fértil, a biodiversidade, quase toda a população humana tiver fome, sede e guerra, então sim, regressará a consciência coletiva. Os poucos sobreviventes irão então construir um Novo Mundo com a Ciência e a Tecnologia que já hoje existe, mas não é bem usada.
Será sustentável manter um modelo baseado em princípios do século XVIII?
Não.
Esse modelo económico (ainda vigente) tinha a perspetiva de o mundo ser (quase) “infinito”. Uma pequena nação (a Inglaterra do século XVIII) tinha então tudo ao dispor. Eram extensos territórios coloniais para explorar nos seus recursos materiais e humanos (escravos), para comprar barato e vender caro. Foi quando se descobriu uma forma de energia abundante, logo barata, como era o carvão de pedra (depois passou a ser o petróleo com o domínio americano). Neste mundo enorme, não se colocava o problema da poluição que destruiria o planeta e a saúde humana. A miséria era universal e matava ainda mais. Era um assunto desconhecido pela ciência.
Criou-se um modelo económico muito simples, linear, com respostas únicas, determinísticas. Era como uma máquina que consumia os recursos depositados no subsolo e produzia bens. Trata-se do capitalismo fóssil, um modelo que foca na produção com recurso a matéria fóssil, é predatório e gera muito desperdício para o ecossistema, tem baixa eficiência.
Estes modelos económicos focam o crescimento contínuo da riqueza medido pela produção de bens e serviços, e avaliada pelo PIB, mas despreza todos os efeitos colaterais, todos sem custos. Poluir e contaminar não prejudica o lucro. Mas, gera pobres resultados quando se compara com o desperdício emitido (consumo de água, ar, lixo, contaminação). O desperdício é largado num Bem Comum, o nosso habitat comum, sem custos de uso ou compensações.
A produção de bens cria então um valor muito inferior aos custos na Natureza, logo é pobre. Ou seja, contando com a Natureza e a variação entrópica gerada, o valor criado em produção nem sequer é um resultado de soma zero, é mesmo negativo. A continuar o modelo, no final morreremos todos (os mais ricos também) e a "riqueza" produzida torna-se inútil.
Gerou-se confiança extrema no poder tecnológico e transformador das nações europeias e da América do Norte. Enquanto o contexto produtor, poluidor e consumidor se manteve limitado a poucas nações privilegiadas, foi possível usufruir de um certo equilíbrio global. O planeta ainda não estava muito afetado e tinha então elevada capacidade de regeneração. Só que tudo se agravou, mesmo muito, quando o modelo económico passou a ser copiado pelas todas as nações. E, com razão, também têm direito a usufruir do "que a Terra dá".
A exploração e envenenamento material cresceram de modo tão exponencial que o planeta não aguenta. Afinal, a natureza não é máquina linear onde se esconde o desperdício, mas apenas um sistema com resposta não linear. Um sistema funciona de forma positiva quando cria sinergias, como o corpo humano saudável. Mas, pode também criar o caos, como é um cancro. Assim, nestas condições, o planeta morre ou, melhor, primeiro mata a humanidade que pode entender com o seu próprio vírus.
Hoje, existe mais consciência do que se passa através da ciência. Descobriu-se que o planeta é afinal finito e afetado pelos atos humanos. Não aguenta uma população humana tão grande em crescimento continuo, regida por modelos socioeconómicos arcaicos e autoilusórios. Claro, a humanidade não sabe nem desconfia (nem quer ver), mas está numa trapalhada, com um fim doloroso à vista.
Será possível criar um outro modelo para a economia?
Sim.
As revoluções industriais do passado prosperaram com base em certas fontes de energia e tecnologias de comunicação e locomoção. Hoje é possível criar um novo paradigma, em total rotura com o passado, baseado em tecnologias de informação e comunicação (TIC) e de energias renováveis (produção e armazenamento) numa economia circular eficiente.
As revoluções do passado estenderam-se a todos os setores desde o modo de viver, a emergência da classe média ou a consolidação da democracia em países em estádio de desenvolvimento mais avançado. No caso presente, o mesmo vai acontecer, mas com maior profundidade, embora ainda com as reações de resistência do costume (basta ler nos jornais diários as notícias sobre os "Trumps” ou “Bolsonaros” deste mundo).
É expetável a resistência. Sempre foi assim.
Uma virtude da presente da crise sanitária foi a participação da ciência para mitigar a disseminação do vírus COVID-19. É um facto que o mundo não é a máquina simples que pode ser analisada apenas por certo tipo de especialistas, sejam economistas ou políticos, desligados do mundo físico e, no seu poder, desprezam outras óticas. Criou-se um modelo de análise e decisão muito pobre e limitado, com vistas curtas muito focado na parte de certos números (dimensionados em euros ou dólares, ou em taxas ou yields). Porém, o mundo é um sistema como é o próprio planeta ou o corpo humano. Quando o modelo económico tosco se disseminou pelo mundo, a base física que é a Natureza deixa de se regenerar. As escassas variáveis utilizadas interferem com outras que já não é possível esconder. Como sistema, todas as unidades interagem e se influenciam mutuamente. Existe um efeito multiplicativo que pode levar ao caos (espiral viciada) ou à sinergia (espiral virtuosa). Interessa este último caminho.
A vantagem que se dispõe atualmente é que a produção física pode ser antecipada por informação expressa em bites, transferidos para qualquer lugar do mundo. Isto é o que se passa com as ações humanas que dependem de instruções prévias do cérebro. Todo o processo produtivo pode ser executado em toda a extensão por informação, onde se cria realmente valor, ficando limitada a produção física à máquina que recebe instruções. A ideia é produzir com menos material e desperdício, num modelo totalmente imaterial, ou seja, sem desgastar o planeta. A informação é muito mais barata, flexível e disponível do que a matéria. O BIM é um bom exemplo a enveredar.
Nada é mais eficiente e sustentável do que utilizar fontes renováveis para criar energia. Mesmo que hoje muitos “especialistas” afirmem que não é viável este tipo de sistemas pois as fontes fósseis são muito mais baratas. Errado. Esses recursos fósseis geram muito mais do que os números contabilizados em modelos do status quo. Evitam custos de natureza e está a levar à aniquilação, um custo demasiado elevado que é omitido. Claro que salientam que a produção de energia em soluções de fontes renováveis não é eficiente, e é melhor esperar por soluções futuras que irão surgir. Com esse critério, os combustíveis fósseis dominarão até esgotarem ou morrermos. Os sistemas evoluem sempre. A solução hoje avançada, amanhã será vetusta.
Mas como poderá ser o novo modelo económico?
Como lição dada por esta crise sanitária, a decisão económica não poderá manter-se fechada numa torre de marfim, a enfocar objetivos apenas financeiros, com critérios restritos que derivam de contextos muito distintos dos atuais. A ciência e a engenharia terão de colaborar mais, em ótica mais holística, abranger o sistema eco-económico de que dependemos, aliando soluções tecnológicas diferenciadas (até fora da caixa pois a criatividade é o maior bem da humanidade).
Lisboa, 23 de Julho de 2020
João Correia Gomes
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