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  • Foto do escritorJoão Correia Gomes

O IMOBILIÁRIO (PARA SER REALMENTE) SUSTENTÁVEL CARECE DOS PRINCÍPIOS DA NATUREZA!

Atualizado: 5 de abr. de 2022


Para sobreviver no futuro, a humanidade só terá de copiar a entidade que é mais inteligente do que ela – a própria Natureza.


A cidade funciona para a civilização humana como o corpo humano é a base para a consciência e inteligência. A Natureza criou o Homem como a sua expressão de consciência e inteligência, talvez até com o fim do domínio do universo. O corpo humano é um sistema aberto que agrega e interliga células formando órgãos com alto valor onde interagem biliões de bactérias e neurónios. Já a cidade agrega imóveis e equipamentos que se interligam para servir humanos que interagem para criarem valor. E a felicidade tem o valor mais elevado.


A cidade atinge o mais elevado expoente quando funciona como um sistema aberto, ou seja, interage e reage às mudanças da sua envolvente, adapta-se, sobrevive e vence criando valor criado muito superior aos custos.

Como no passado, também o futuro passará necessariamente pela cidade. Esta é a criação da humanidade para suportar milhares de milhões de humanos, mas com a menor disrupção do ecossistema (Gomes, 2022). Tende a dispor as melhores condições como solução mais eficiente em consumo de energia, no uso do espaço por partilha, na proximidade que valoriza a interação humana, e na minimização do desperdício na função transporte e abastecimento. Isto quando é cada vez mais necessário libertar espaço para que a Natureza regenere e sobreviva. E, assim, também os humanos.


Todavia, a cidade do futuro não pode ser nada igual a muitos espaços urbanos que não passam compostos de pedra e argamassa, algo pobre e estéril que apenas serve para abrigar humanos, mas não os integra para um fim maior. A cidade tem de ser uma entidade viva. Mais, a cidade que terá de crescer não deverá fazê-lo por conta do consumo e destruição da própria Natureza como ainda acontece com a maioria das cidades. O sistema cidade criado por humanos terá de copiar a Natureza, muito mais inteligente, que cria sistemas muito mais sustentáveis como o próprio corpo humano vivo.

Como base da sustentabilidade de toda a sociedade, o setor que cria e gere a cidade em que ela se fundamenta, o imobiliário, deveria inspirar-se nos princípios da própria Natureza, como as leis da física e da termodinâmica. Ao longo de milénios tem sida a Natureza a dar provas desse equilíbrio, e não a humanidade como se prova em todos os acontecimentos destruidores que seguimos no quotidiano do espaço publico físico e virtual que observamos. Todos os princípios se interrelacionam e interdependem como os seguintes.


Conservação de massa e energia intrínsecas


Este princípio relaciona-se muito com a segunda lei da termodinâmica, sobretudo tendo em conta que o planeta Terra (base da Natureza) é um sistema quase fechado quanto a trocas de matéria, embora seja aberto na troca de energia de radiação solar.

Este princípio aponta para preferir a intervenção mínima à máxima que implica destruição, desperdício e contaminação. A destruição de elementos, compostos com estrutura estável e valor funcional, implica o desperdício de energia que os agrega e integra para os transformar em materiais inertes sem valor. A substituição passa por consumo de materiais e energia de fontes extraídos à Natureza e que a contaminam num ciclo em espiral contínuo e crescente até ao esgotamento sem recuperação, nem regeneração.


Na aplicação deste princípio ao projeto imobiliário considera-se preferível preservar e reabilitar o existente do que destruir para construir novo. Um edifício, mesmo que esteja algo obsoleto, é um composto matricial de materiais e energia que os agrega. A sua destruição elimina tal energia intrínseca e consome energia na destruição, para ser substituído por algo que irá consumir energia e poluir como o aço e o cimento aplicados na nova estrutura.


Princípio de energia mínima na escolha de materiais e soluções construtivas;

Num contexto em que a energia mais disponível ainda é a que provém de fontes fósseis, como o gás ou o petróleo, dependentes de contextos geoestratégicos complexos e conflituosos, as soluções deveriam depender de processos industriais que exijam menos consumo de energia e sobretudo se esta for renovável como a solar.

Assim, as soluções construtivas deverão basear-se menos em materiais de alto consumo energético como o aço ou cimento produzidos em altos-fornos ou similar. Devem procurar-se soluções que apliquem fontes renováveis e que exijam menos temperatura. Talvez sejam mais eficientes soluções baseadas em materiais como madeira ou o LSF.


Preservação dos princípios construtivos do edificado original, do ambiente e saúde


Na reabilitação de edifícios, até devido ao princípio de conservação de massa e energia, não é de todo sustentável destruir toda a estrutura do imóvel, mas mantendo a fachada antiga, para fingir que tal intervenção foi de reabilitação. Integrar no mesmo imóvel dois modelos construtivos tão distintos corresponde a estranho paradoxo com elevado desperdício em custos e contaminação do ambiente natural.

Em caso de sismo, será duvidosa a resposta de uma estrutura rígida e pesada da fachada de alvenaria, mantida apenas para fingir reabilitação, combinada com a estrutura flexível de betão armado. Nenhuma das estruturas funcionará de acordo com os seus princípios construtivos tão distintos. Esta prática é muito comum na cidade de Lisboa, mas confere uma atitude de ineficiência económica e funcional, o que típico de uma sociedade em empobrecimento e estagnação. Compare-se com as práticas de quase todos os outros países europeus.


Proteção e preservação do caráter original quanto a recursos distintivos históricos, culturais, arqueológicos, com valor artístico ou artesanal irrecuperável


Nas efetivas sociedades industriais pós-modernas, a produção com alto valor acrescentado dependerá cada vez mais de processos autónomos baseados no digital (Siebel, 2020). Excluem-se aqui as sociedades que continuarão a produzir com base na extração de matéria prima, fontes fósseis para energia ou dos pobres humanos (além da destruição da Natureza) as quais serão cada vez mais pobres nas suas autocracias violentas e de exclusão.


Nas raras sociedades efetivamente ricas serão cada vez mais valorizados o conhecimento e a inclusão humanos, assim como o respeito pela Natureza. Se o trabalho físico ou rotineiro é produzido por máquinas, valorizam-se as funções de conhecimento e criatividade. Estas dependem de ambientes inspiradores, estimulantes, em que prevalece a interação humana para se desenvolverem.


São sociedades de alto valor em que, estando servidas nos níveis mais básicos como na pirâmide de Maslow, ganham importância atributos como os dinâmicos na constituição do valor percecionado (Gomes, 2018). Este tipo de valor tende a emergir sobretudo em ambientes na escala humana das suas ruas e praças, edifícios, referências e conteúdos históricos e culturais, vibração dos espaços públicos. Note-se que a arte e as ações culturais têm o fim de expandir a capacidade criativa das populações.


Pelo contrário, os espaços urbanos aparentemente modernos, quase sempre com grandes imóveis de aço e vidro em grandes espaços públicos dominados pelo automóvel tendem a ser desprovidos de vida e interesse de uso humano. Tendem a tornar-se desertos com gente triste ou stressada, logo pouco produtiva no contexto da sociedade da quarta revolução industrial. Ou então servem para atrair iludidos com as luzes e dourados esplendidos que imitam o luxo, tal como Disneylândia de adultos (o Dubai é um bom exemplo), mas são pobres em contéudo.


Preferência de soluções de reparação às de substituição (e construção nova);


O ato de substituir implica quase sempre retirar algo que existe para se aplicar outro elemento com a mesma função, mas novo. O processo implica consumo de energia na remoção e no desperdício de matéria que não será regenerada e provavelmente contaminará o ambiente.


Existe um saldo entre o primeiro elemento que tem um certo valor económico e funcional que se perde e o segundo elemento que terá um custo superior. Acontece que o acréscimo de valor pelo segundo elemento pode não compensar se, na sua perceção, o cliente (ou mercado) não atribui mais valor diferencial, agravado pelo mencionado desperdício para a Natureza. Não é raro que a solução mais viável passe pela abordagem mínima, mantendo o que existe com medidas de preservação da função. Por vezes, menos é mais.


Exigência de melhoria do desempenho funcional e energético, mas com soluções de mínimo custo do ciclo de vida e não apenas o menor preço.


Neste âmbito está a atitude de respeito pelo que existe, sobretudo da Natureza; da ótica de longo prazo e não apenas o ganho imediato; da abordagem com objetivos mais latos (até holística) e não apenas focada num único objetivo, seja ele financeiro ou político.

Nessa perspetiva, a melhor solução não é necessariamente a mais barata. Esta quase sempre engana o cliente/utente em transações de bens sem garantias (mas é mais difícil na prestação de serviços). No ciclo de vida de um produto (sobretudo o físico), o qual deve satisfazer alguma função exige-se durabilidade na vida útil, energia e materiais cujo consumo seja eficiente, operações (como mão de obra), transporte, etc. Deve interessar mais o custo integrado no cumprimento da função ao longo da vida útil do produto. Por exemplo, aqui ganha importância a manutenção preventiva (sistemática ou condicionada), que assim minimiza a manutenção corretiva, logo mitiga eventos de reparação, incrementa a sustentabilidade.


Esta é a atitude usual nas sociedades mais ricas, como as do Norte da Europa. Tende a ser mais rara nas sociedades em que é corrente o usar e deitar fora. Piora nas sociedades sem grandes recursos materiais ou energéticos. Estas são as sociedades que tendem a estagnar (e Portugal?).


Lisboa, 4 de abril de 2022


João Correia Gomes (Ph.D., Mestre em construção, Engenheiro civil)


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