A Natureza é um sistema vivo. É algo muito superior à soma dos materiais que o integram. Assim, é o planeta Terra ou o corpo humano vivo. Para esta virtude, o sistema tem de ser aberto e dinâmico; agir e reagir às ações da sua envolvente e, assim, adaptar-se e evoluir ao longo do tempo. No fim, terá de ser muito mais do que era no início.
A Natureza é viva pois depende de fluxos de ar, água, matéria, energia, sementes, animais. As sociedades humanas também foram bem-sucedidas, baseadas em fluxos de pessoas, informação, materiais, capital (dinheiro). Se um processo é estacionário então é processo morto. Os fluxos são tão diversos e amplos que se entrecruzam e criam sinergias, mas têm de ser coerentes entre si e eficientes. Para serem sustentáveis e perenes têm de satisfazer princípios de energia e variação entrópica mínimas. Isto sobretudo porque existem num sistema material fechado, o planeta Terra. Se não cumprir estes requisitos básicos a Natureza e humanidade derivariam para a destruição acelerada sem capacidade de se renovarem. Evoluir requer sempre alguma destruição, mas terá de ser contida e não estéril, para não se tornar numa coisa morta já sem capacidade para recuperar.
Será realmente este o modelo económico em que “progredimos” nos últimos séculos?
Para promover um fluxo terá de existir um motivo que incentive o movimento. Para mover o ar ou um rio ter correntes existem grandezas como a pressão (diferencial) ou a ação da gravidade.
Também os fluxos estão subjacentes às civilizações humanas. Estas emergiram por necessidade de proteção e sobrevivência dos frágeis humanos na natureza hostil que precisavam e procuraram proximidade e cooperação mútua. Foi uma relação descoberta pelos humanos em que poderiam obter da Natureza muito mais do que a mera sobrevivência. Poderiam até progredir e vencer.
No passado, as grandes civilizações concentraram-se em cidades (pela proximidade humana e a energia mínima); localizaram-se junto a rios (fluxos de materiais, bens e pessoas); criaram a escrita (fluxos de informação ou comunicação); efetuaram transações de bens e trabalho; e. para facilitar, criaram o dinheiro (fluxos de capital). Quanto mais efetiva fosse a coordenação de fluxos, maior seria a probabilidade de sucesso dessa sociedade.
As sociedades atuais criaram uma grandeza única para motivar a dinâmica de fluxos de todo o tipo: o VALOR. O segredo está sobretudo na Criação de Valor. Funciona como um incentivo de interesses multiplos, os quais dinamizam os fluxos através da comunicação, do movimento ou de transações. Cada ínfimo fluxo entre um qualquer agente e o cliente (ou utente), desde que bem concebido e executado, deve resultar em acréscimo de valor. A sequência integrada de fluxos num sistema produtivo deve aproveitar as sinergias devidas a interações e interinfluências positivas. Assim, esperam-se resultados multiplicativos não lineares muito superiores ao conseguidos pelos modelos de produção tradicional que soma de custos de fatores tangíveis para chegar a um certo valor. Só uma abordagem de gestão baseada na criação de valor poderá conduzir a produtividade e a rendibilidade competitivas para o padrão mais elevado a nível mundial.
O Valor tende a ser expresso em dimensões monetárias, como o euro. É a forma fácil de entender e comparar performances produtivas. Porém, o valor pode ser expresso sob outras dimensões como numa taxa (útil para o investidor), em produtividade (horas de trabalho). Na ótica do cliente final, ou utente, o valor pode ultrapassar muito a dimensão monetária, muitas vezes ligada a um preço (o qual não passa de um palpite). A perceção de valor pelo cliente final ou utente pode ter contornos não contabilizáveis em dinheiro, mas serem expressos em dimensões subjetivas como a emoção, a felicidade, o desejo ou a estima. Estes estados de dimensão intangível tendem mesmo a valer mais do que é definido pelo preço em euros.
Numa sociedade de mercado moderna é a transação efetiva (ou seja, eficaz e eficiente) de bens e serviços que cria as dinâmicas de progresso e maior criação de riqueza. A transação é um fluxo entre dois sujeitos, mas não precisa ser comercial, pois pode até ser solidária ou emotiva. Em qualquer caso, é necessário um diferencial entre os valores percecionados pelo emissor e pelo recetor para acontecer tal fluxo. Quanto maior o diferencial de valor, maior será a eficiência. Numa sociedade que, na mera ótica material, depende do sistema fechado que é o planeta Terra, o conceito de Valor deve ser muito mais amplo do que a relação unívoca entre o emissor e o recetor do fluxo.
Durante mais de duzentos anos, os modelos vigentes de produção de capital focaram no princípio do “melhor e mais elevado uso”. Mas, este princípio é restrito e ilusório quando considera a Natureza como um Bem Comum e Infinito. Como Bem Comum, despreza-se o uso e destruição do ecossistema, sem custos devidos a um dono inexistente, permitiu lançar resíduos para a atmosfera, o mar ou o solo, uma irresponsabilidade que está a envenenar a humanidade. Como ilusão de infinidade, a produção do quanto mais melhor foi esgotando os recursos materiais do planeta. Idolatrou-se o modelo mais fácil baseado na sequência do extrair para transformar, depois vender, usar e deitar fora num ciclo sem fim. Mas, a vivermos todos num sistema materialmente fechado, a Terra (e sem Marte de substituição), seria mais pertinente integrar valor a partir de outras valências além da restrita produção material.
Atenção, o sistema Terra é fechado na ótica material, mas é aberto na ótica energética, obviamente de origem solar, o que deixa em aberto múltiplas abordagens de intervenção. Apenas não foram descobertas.
Os modelos produtivos deveriam focar um outro princípio - o “melhor e mais elevado valor”. Atenção, o conceito de valor deve ser diferente do que é tradicional. Nas abordagens produtivas mais obsoletas, o valor é tido como proveniente da soma (de custos) de fatores tangíveis para a formação do produto. Esta abordagem é expressa pelo método de custo, mas no mundo atual tende a ser pouco eficiente sem atender às necessidades do mercado. A abordagem atual corrente, o valor advém da comparação com o que faz o mercado, quanto a concorrência e produtos finais. Neste caso, para obter um produto final tangível padrão, a abordagem da produção passa por esmagar os custos de fatores tangíveis e mesmo desprezar os intangíveis. Sobretudo aqueles que são fornecidos por terceiros.
No contexto eco-sustentável do século XXI a produção não pode focar na massificação do material e na extração intensiva. A criação de valor deve focar mais em fontes imateriais ou em energias renováveis, tendencialmente com custo zero. O mantra não será tanto em produzir mais quantidade, mas produzir para o uso durável, flexível, abrangente e adaptável a cada utilizador. É um contexto em que o foco incide mais em fatores intangíveis do que tangíveis. Infelizmente, esta abordagem ainda é rara no setor produtivo português, o qual tende a premiar mal os quadros técnicos com melhor orientação matemática, científica ou para inovação, os quais se sujeitam a emigrar para economias que os procuram, em regra melhor sucedidas.
O salto para sair da estagnação exige uma abordagem que se baseia em Valor, logo focar em conhecimento, inteligência (produtiva e adaptativa), criatividade ou interação humana. Não interessa produzir mais se esgotar as capacidades extrativas, nem produzir apenas luxo o que é mais exigente e restrito, até muito dependente do intangível. Interessa maximizar o intervalo de margem entre o rendimento e o custo operacional. O padrão do produto pode nem ser luxo e ser até mais popular, desde que a produtividade por unidade produzida seja muito superior, compensada por serviços que poderão consumir energia e tempo de ação humano (mas não manual), a qual será muito disponível pois a produção material estará cada vez mais a cargo de máquinas (robôs).
E quanto ao imobiliário?
O imobiliário continua muito ligado ao que é tangível, sobretudo pelo braço de produção, a construção tradicional, pobre em conhecimento e inovação, mas grande contaminante do ecossistema, por exemplo pela produção de aço e cimento baseada em combustíveis de origem fóssil. O modelo de negócio é antiquado pois foi criado num contexto de segunda revolução industrial, na década de 1950, em que quase todos ganharam: famílias; construtores; promotores; banca; municípios, etc. Mas já passou.
A maior riqueza nas nações dependeu sobretudo de processos que se baseavam em fluxos de vários tipos os quais podiam gerar transações. Atualmente, esses fluxos não precisam ser apenas sobre tangíveis, sobretudo quando se dispõe de tecnologia de informação avançada. A informação domina já o tangível, bastando ver como funcionam as empresas líderes mundiais. A abordagem do imobiliário pode ser diferente, podendo focar mais o uso do que a produção física, então poderá emergir uma multiplicidade de utilidades e serviços que usam os imóveis como plataformas de venda.
A transação imobiliária poderá incidir mais em títulos de direitos de posse partilhados, desde que regulados por entidades institucionais acreditadas para gerar confiança. Apenas a confiança poderá atrair capital por investidores internacionais, o que deve ser a principal fonte de financiamento, não o crédito hipotecário. A confiança de investidores competitivos internacionais apenas se conquista com abordagens baseadas no conhecimento que certifiquem a criação de valor. Neste âmbito, previamente ao projeto de arquitetura e de engenharia ou à aquisição do terreno, terão emergir e serem valorizadas atividades como marketing, a análise de investimento, o plano de negócio e gestão de projeto.
Este tema é desenvolvido no livro “Uma nova visão sobre o imobiliário – plataforma para a criação de riqueza no século XXI”
Lisboa, 28 de dezembro de 2020
João Correia Gomes
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