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  • Foto do escritorJoão Correia Gomes

FOCAR EM RIQUEZA OU NO VALOR A CRIAR?

Atualizado: 13 de jul. de 2021


“Diferente do rendimento, um tipo de fluxo, a riqueza mede a quantidade de bens económicos com valor que foram acumulados num determinado momento”

(www.investpedia.com, minha tradução)


A riqueza sempre foi sempre tema crucial para as civilizações humanas. A ganância pela sua posse motivou guerras, mortes, roubos, escravidão, até casamentos. Ainda mais hoje, a mesma é perseguida na ilusão dos mercados de que nada muda sobretudo quando corre bem. Não passa de ilusão. Nada é perene. Os patrimónios que constituem a riqueza das nações ou indivíduos sempre variaram como uma montanha russa.

O valor das coisas sempre dependeu da perceção e interpretação humana em que se refletiram opiniões de base emocional, e mesmo psicossocial, de cada individuo integrado no grupo que o influencia, como muito bem alerta Nassim Taleb (2018). E o valor nos mercados é o resultado de uma enorme matriz em que todos os agentes interagem e se influenciam (Gomes, 2004) no crescimento e na queda.

Os valores de mercado não são isentos nem desligados dos humores da sociedade.

Não se estranha assim a cega confiança que os mercados mundiais tinham em Bernie Madoff até que perderam dezenas de milhões de dólares em 2008 (e quantos ricos se tornaram pobres, alguns até se suicidaram). Uma situação análoga parece acontecer nos principais mercados financeiros atuais a viver a ilusão de uma Era excecional. Basta analisar o indicador Buffett dos mercados atuais e ver como é assustador.

Os valores de mercado que estão a aumentar para níveis absurdos sustentam-se num contexto único de taxas de juro muito baixas com alta injeção de dinheiro, multiplicada pela ganância dos operadores que se observam e copiam comportando como um rebanho. Num momento vive-se a euforia do mercado que cresce porque todos compram, e de repente poderá passar ao desalento de uma queda em que todos irão querer vender.

No contexto da sociedade de mercado, uma profissão cada vez mais crucial para o mercado é a avaliação (e não apenas a imobiliária). A sua função deve mitigar os custos de informação assimétrica que sempre emerge em qualquer transação entre partes antagónicas. Uma parte tende a beneficiar pelo acesso a informação em relação à outra. Se a classe de avaliadores é frágil, o mercado e a economia tornam-se também frágeis. E os casos acontecem.

Assim, é difícil avaliar num mercado em que a procura está mais otimista do que o lado que quer vender. Torna-se ingrato o papel do avaliador, sobretudo aquele que pretende ser profissional e isento, consciente sobre o mercado e o risco, praticar com ética e desligar-se da emoção e seguidismo comum. Neste contexto, pode acontecer que o seu conselho não seja bem recebido pelo cliente que está cego, logo não valorize o serviço que tende a ser mal remunerado. Para o avaliador que precisa de sobreviver será mais fácil seguir a onda geral.


Mas, o que é a riqueza?


Numa ótica mais clássica a riqueza pode definir-se como o Valor dos Ativos Financeiros mais os Ativos Imobiliários (sobretudo habitação) das famílias em geral, subtraído das suas Dívidas (Shorrocks et al., 2021). Outras definições ampliam para o “valor de mercado de todos os ativos físicos e intangíveis que são possuídos, após subtração das dívidas” (Investpedia) ou sintetizado para “a acumulação de recursos escassos”.


Salientam-se duas variáveis cruciais, o valor de mercado e dívida.

A primeira variável é uma opinião de grupo interpretada por cada indivíduo, e pelo avaliador. A sua estimativa é apenas fiável no momento em que é efetuada. Logo a seguir o contexto pode mudar por razões até ilógicas ou a emergência de um cisne negro (Taleb, 2007). A avaliação tem uma validade instável.

A segunda variável é crucial porque reduz o património à sua dimensão real, é a espada sobre a ilusão. O valor de mercado flutua (é até incerto) no tempo e opinião, mas a dívida não e pode crescer com juros compostos.


A riqueza resulta do capital acumulado não consumido, livre de dividas a terceiros, obtido de meios externos (como a exploração de recursos) ou meios internos (o esforço pessoal). Considerando a economia como um sistema aberto, análogo ao do corpo vivo, a riqueza corresponderia aos lípidos que se acumulam no corpo porque não se consumiram todas as calorias obtidas da alimentação. E o corpo guarda a gordura para processar em momentos futuros se existir escassez.

A riqueza deveria ter essa função que não cumprirá sem liquidez e valor em queda. Talvez o importante não seja a acumulação de riqueza per si (imobiliário ou ações) se a mesma não gera valor suficiente para cobrir os custos e riscos da sua posse.


No corpo humano, a gordura tem custos previsíveis como problemas de saúde que encurtam a vida, além da fatura com o hospital. A posse de bens inativos ou de exploração inviável (ineficiente) transforma-os em passivos, não ativos com valor útil. Numa sociedade moderna, se a riqueza depender mais de bens imobiliários do que da criação ativa de valor, como a produção industrial ou a inteligência produtiva, passa a indicar a passividade da sua economia. O poder público focará então na sua (quase) “singular” fonte de rendimento, com crescentes impostos sobre bens imóveis e crédito hipotecário.

Transforma-se numa economia decadente.


Como focar na riqueza poderá gerar ilusão?

Como se sabe, a pandemia gerada pelo Covid-19 está a refletir-se na queda do PIB em quase todos os países do mundo. Pronto, exceto na China de onde emergiu o vírus! As empresas estão a fechar. O desemprego aumenta. As economias estão a ficar mais frágeis. Os governos dos países mais ricos aumentam a dívida de longo prazo para colmatar tais dificuldades. Mas, o contexto de taxas de juros quase zero e a mais elevada liquidez está a produzir um incrível efeito.

Se as economias geram menos valor (PIB), se endividam mais, tornaram-se mais RICAS?!


Pelo Global Wealth Report 2021 (Shorrocks et al., 2021), a riqueza mundial aumentou 7,4% e per capita 6% em 2020! Cresceram os preços do imobiliário e dos títulos (ações) nas principais bolsas do mundo como não se via há muito. Mais incrível, os blocos económicos em que a riqueza cresceu foram a América do Norte e Europa (e não a China).

Com os primeiros cresceu cerca de 10%; com a última cresceu 6% (a América Latina e India estão mais pobres). Mas, a Europa endividou-se em mais 10,3%, a América do Norte apenas 4,7%, mas a China deve mais 15,3%. Este fenómeno deve-se à sobrevalorização dos títulos do mercado pelas elevadas expetativas geradas pela maior frequência de transações e baixas taxas de juro.



No contexto imediato, pela capitalização das suas empresas, estão a ganhar Jeff Bezos, Elon Musk e similares que são agora os multimilionários mais ricos do momento.


Este momento de fantasia poderá terminar em breve. Como é tradição, numa primeira fase do ajustamento do mercado de títulos, imobiliário irá beneficiar como habitual ativo de refúgio. Então, os grandes investidores irão desinvestir no mercado de ações (loucas) para comprarem imóveis. Os investidores de longo-prazo como Warren Buffett e Bill Gates já se acautelam a adquirir imobiliário, tanto de títulos como terra agrícola (o mais básico e essencial possível).


Nos próximos dois a três anos poderá emergir a tendência de procura de imobiliário pelos investidores internacionais. No mercado mundial à sua disposição, os requisitos são o pacote combinado de rendibilidade, risco mitigado e boa liquidez. Irão safar-se economias de elevado padrão institucional que geram confiança (onde o Estado funciona a favor da economia), mas perdem as outras (Gomes, 2020).


Mas, funciona qualquer tipo de imobiliário?


Não.

Na ótica moderna a riqueza já não passa pela posse de património em si, o qual pode até tornar-se um problema. Sem exploração, o imóvel pode tornar-se passivo de elevado custo operacional com impostos em toda a cadeia de valor e custos de posse.


Não se espere que os impostos irão reduzir em países sem grande indústria que cria valor.

Pelo contrário, em países com uma máquina pública que absorve todo o dinheiro disponível, atual e futuro, para pagar a burocracia paralisante e os disparates das elites que não têm disciplina nem outras fontes de capital. As elites do passado podiam abusar e possuir vastos patrimónios quando tinham imensos trabalhadores pobres para (ab)usar na sua preservação, mas agora os melhores trabalhadores emigram.

Para ser interessante para o investidor moderno o imóvel terá de ser um ATIVO, ou seja, tem de gerar rendimento, confiança (risco controlado) e alta liquidez. Não se trata de quem escolhe Portugal para viver, é um produto diferente.


O paradigma imobiliário tem de mudar para passar a ser máquina que gera cash-flow, mas de forma estável (Gomes, 2018). Já não será vender construção sobre um terreno, mas antes o uso de espaço com um certo ambiente fornecido no tempo. Pode ser por exemplo a venda de serviços de uso residencial e de ambiente de sociabilização e trabalho para a futura emergente classe de nómadas digitais.


No novo contexto socioeconomico, cada vez mais globalizado, "liquidez" deve ser palavra de ordem. O produto deve passar a ser o título de direito de posse muito atomizado que pode ser facilmente transacionado no mercado secundário.

Na forma mais clássica, como os REIT, a emissão passe por entidades financeiras tradicionais que poderão controlar o negócio através da informação (Gomes, 2004).

Mas, o valor a ganhar no produto poderá multiplicar-se ainda mais se o título adquirir a forma tokenizada mais fino em valor individual e fácil de transacionar, talvez minimizando muitos custos que derivam da cobrança de impostos num negócio que decorre numa rede mundial da Blockchain.


Por que deve ser uma máquina que gera cash-flows é tema de próximo artigo.


Gomes, João Correia, 2004, An integrated process for housing investment and financing, Ph.D. thesis, University of Salford, United Kingdom


Lisboa, 10 de Julho de 2021


João Correia Gomes


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