A humanidade vive a Era mais desafiante na sua existência. Claro que foi graças às revoluções industriais nos últimos séculos que se melhorou imenso a qualidade de vida. Esta impeliu o incrível aumento populacional humano. Todavia, o que parece ser um sucesso poderá gerar um conflito com a sustentabilidade no único planeta que partilhamos. Até agora, a tecnologia conseguiu dar o suporte, mas o modelo produtivo e económico instituído parece chocar com a realidade do limite material do planeta. Assim, até Thomas Malthus poderia ter razão quando previa a extinção humana quando o planeta não conseguir sustentar a vida com qualidade equitativa para todos (Cohen, 2021).
O que se passa?
Note-se que o Homem está intrinsecamente ligado ao planeta. É até um produto da Natureza. A destruição do mundo natural, desde a biodiversidade das florestas virgens e oceanos, para transformar em mais terra arável e receber descargas de resíduos deve ter um limite. Mais, pode favorecer a emergência de novos vírus e a morte da Natureza que sustenta a vida (Waksman, 2020).
Apenas existe um planeta Terra para a vida nele adaptada. A alternativa de terraformar Marte ou criar naves espaciais só é possível em filmes de ficção.
Para sobreviver, e com urgência, a Humanidade terá de aceitar e aplicar um novo paradigma cultural e económico. O modelo atual foi ótimo para aqui chegar, mas agora é veneno global. Nem os super-ricos escaparão à morte global que a Natureza irá providenciar ao seu vírus que é a … humanidade!
Como a Terra é um sistema fechado quanto à matéria (não à troca com o exterior) o modelo económico baseado na extração e desperdício tem dias contados. A variação entrópica tende a aumentar até um ponto em que o planeta se tornará inerte (morto para a vida). Todavia, a Terra é um sistema aberto na troca de energia, sobretudo solar pelo que, para já, é infinito o potencial desta fonte. A Natureza aplica um modelo a partir de nutrientes acessíveis que obtém do solo e combina-os com a radiação solar, produz vida ou combustíveis que acumulou no subsolo. Essa é a verdadeira economia circular. A Natureza recebe os seus produtos já usados, decompõe-nos em nutrientes que reutiliza de modo equilibrado.
O atual estado de desenvolvimento humano já permite implementar abordagens produtivas mais sustentáveis. Existem já ferramentas que permitem dar o salto para uma nova economia (UNCTAD, 2021) com resultados muito superiores aos possíveis até agora. O mundo industrial tradicional tem atuado apenas na escala dimensional do micro ao macro, com tecnologias diversas desde a química à construção civil. Transforma matéria-prima que retira da ecosfera em produtos físicos para consumo e posterior desperdício que nela despeja. A tecnologia mais avançada atua já numa escala menor ao micro sobre os átomos (nanotecnologia e computação quântica), os genes (biotecnologia) e os bits (inteligência artificial). Nesta escala, os resultados da transformação não são sequer lineares, mas até extraordinários e sobretudo não precisam de elevado volume de matéria-prima.
No modelo atual, o caminho aponta para situações críticas como a seca e escassez de água potável; às altas temperaturas impossíveis para a vida, sobretudo nas regiões junto à linha do equador; às sucessivas inundações sobretudo nas linhas de costa onde se situam a maioria das cidades; à esterilidade do solo que leva à fome; às migrações de milhões dos trópicos para a Europa e América do Norte. A continuar o status-quo é muito provável a emergência do caos geral na sociedade e economia, situação a evitar.
Qual o modelo para retirar o conceito?
A economia atual prospera de certo modo num modelo de caçador-predador-recolector que acompanha a humanidade há pelo menos 100.000 anos. Não é uma situação recente, apenas com uma roupagem sofisticada que atua numa escala industrial, que multiplica efeitos devidos a milhões e milhões de eventos. A rapina e destruição incide sobre o mar, a desflorestação, a atmosfera, e até povos em regiões de mineração (HRW, 2021). Apesar da aparente sofisticação das sociedades, sobretudo em grandes metrópoles, afinal todos vivemos ainda numa economia primitiva, pois predatória.
O salto evolutivo da economia produtiva pode ser um conceito simples e disponível a partir da observação da própria Natureza, pela adoção e adaptação para um novo modelo económico, mas que seja realmente sustentável no longo prazo. Neste âmbito, deve privilegiar os processos baseados no tempo (de uso) e na interação das suas unidades (como as células no corpo humano). Deve mitigar o modelo baseado no processo unilinear a partir da extração da matéria até ao desperdício que se acumula. E nunca contabilizou as externalidades. Ainda vigora porque depende da ilusão e do engano da sociedade.
A riqueza das economias mede-se ainda pelo PIB, uma rúbrica que não integra as externalidades infligidas para conseguir tal número. São considerados como custos colaterais, embora extraídos ao Bem Comum, pelo prejuízo da Natureza, da saúde publica, de populações pobres em países plenos em recursos naturais, ou das futuras gerações. Se fossem contabilizados e subtraídos ao PIB (até como compensação à extração a terceiros), surgiriam grandes surpresas. Talvez alguns países não fossem assim tão ricos pelos elevados graus de poluição que emitem (IPCC, 2021).
A Natureza funciona como um sistema. Como exemplo, um produto natural é o corpo humano, inegavelmente uma “máquina” dinâmica muito sofisticada, racional, com consciência e que, em grupo, transforma o próprio planeta. O corpo humano é composto por materiais banais no solo do planeta, e que se desenvolve pela absorção de nutrientes, água, ar e radiação solar com disponibilidade abundante. Poderia estimar-se o total de custo dos seus elementos básico atingindo um pouco mais de 1.100 euros (SPM, 2018) ou pelo total do custo dos seus materiais compostos e seria apenas 10€! Porém, pela contabilização dos seus órgãos, já com uma composição mais elaborada, o seu custo pode chegar a 1.700.000€.
Claro que a contabilização do valor económico potencial de um ser humano pode atingir vários milhões de euros, pois trata-se de um sistema complexo com vida, conhecimento e potencial de criação de mais valor. O ponto critico está aqui. A Natureza combinada com os diversos ambientes (Gomes, 2018) consegue criar um alto valor a partir de matéria banal e disponível. É um processo de elevada eficiência e sustentabilidade.
Como traduzir este modelo para a economia produtiva?
Pode considerar-se que a produção de bens e serviços integra três componentes essenciais que, integradas e interrelacionadas, contribuem para criar valor nos mesmos (Gomes, 2018):
· Hardware – Componente tangível desde a matéria, energia e trabalho físico;
· Software – Componente racional ou institucional que pode ser codificada;
· Humanware – Componente intangível devida ao fator humano.
Desde o primeiro artefacto humano até ao computador mais avançado todos integram as três componentes em graus distintos. No passado, a componente tangível teria a maior fatia do valor em materiais e trabalho muscular. Comparando o produto paradigma do início do século XX – o Ford T – com o da atualidade – o IPhone – a relação do valor material com o de intangíveis seria na ordem de 90%/10% no primeiro caso e de 10%/90% no segundo.
No IPhone o valor devido aos intangíveis está no conhecimento como o CTEM, marketing, gestão logística e processos de produção e instituições (universidades, investigação, patentes, governo nacional, justiça) até à produção por robôs. Aqui, a componente física limita-se ao uso mínimo de material.
A tecnologia mais sofisticada atua ao nível ínfimo sobre os átomos, genes e bits para obter ganhos mais do que extraordinários. A combinação dessas tecnologias estão a propulsionar a criação de valor num potencial exponencial, combinatório e recursivo (Leonhard, 2017) para alcançar novas tecnologias e novos paradigmas, distintos dos que julgamos imutáveis.
Atualmente, já se distinguem as sociedades que dependem mais de recursos materiais, que são as mais pobres e exploradas, daquelas que investem em alta tecnologia, logo valorizam a engenharia e o ambiente institucional. Basta ver a atual guerra pelo controlo da indústria de microchips, cuja maior componente está no humanware (a vantagem de Taiwan). Na estagnação ficam as economias que se afundam em emaranhados burocráticos e de inertes jogos políticos pelo controlo do Estado, ou então os que menosprezam profissões CTEM cujo conhecimento exporta pela emigração.
Uma revolução a salientar que irá marcar muito o futuro próximo é a biotecnológica (sobretudo quanto a manipulação do genoma pelo RNA). Poderá alterar completamente o cabaz de produtos, não apenas na saúde, mas na produção de alimentos, de bens de uso e até na construção civil. Esta tecnologia será solução na simulação da Natureza.
E o futuro?
Nos próximos anos, a mudança social e económica será tão radical que países como Portugal certamente serão afastados da conceção-produção de alta tecnologia. Resta explorar a componente que criará ainda mais valor – o Humanware – a qual pode ser independente da tecnologia.
Neste âmbito, o setor imobiliário até poderá ter importância relevante. Não como mero construtor de imóveis para venda (uma forma antiquada e ineficiente de produção). Terá de se alterar uma cultura instalada no setor privado e publico (ainda mais ineficiente). O produto alvo deve mudar para ambientes de uso humano, tendo como vantagem a venda do uso da própria Natureza e na sociedade onde se implantam. A componente humana que é vendida terá uma importância de alto valor num mundo dominado pela alta tecnologia.
No próximo artigo será desenvolvido o tema do trinómio Hardware-Software-Humanware.
Lisboa, 16 de setembro de 2021
João Correia Gomes (Ph.D., Mestre em construção, Engenheiro civil)
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