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  • Foto do escritorJoaquim Nogueira de Almeida

OS ENGENHEIROS E AS SUAS DUAS ORDENS

Atualizado: 25 de fev. de 2021


QUEM GANHA COM A DIVISÃO DA CLASSE DOS ENGENHEIROS?


Este ano não há benção das fitas para os finalistas dos cursos de engenharia (ou outros) mas ano após ano há uma situação que repete-se para os novos licenciados de engenharia.

Em cada fim de ano lectivo os novos recém-licenciados dos cursos de engenharia preparam-se para integrar o mercado de trabalho. Para poderem usar o titulo de Engenheiro ou por obrigações legais na prática de alguns Actos de Engenharia, é condição obrigatória a inscrição na sua Ordem profissional. No entanto, desde 2015 que têm a possibilidade de se inscrever numa das duas Ordens para Engenheiros existentes no país, a Ordem dos Engenheiros (OE) e a Ordem dos Engenheiros Técnicos (OET).

Se a escolha neste momento parece óbvia, recaindo sobre a OE pelo seu prestígio e existência de 80 anos ao serviço da Engenharia, a verdade é que não é consensual, dado que para a obtenção de algumas “autorizações/declarações”, emitem-se com maior facilidade na OET comparativamente com a OE e até porque algumas engenharias não têm colégios próprios na OE, como é o caso das engenharias aeronáutica e de transportes entre outras.

Esta situação caricata, em que cada Engenheiro português pode escolher estar inscrito na OET ou na OE ou em ambas, é caso único e a meu ver é ILEGAL. A 10 de janeiro 2013, foi publicada em Diário da República a lei que estabelece o novo regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais. Ora esta lei, e sem entrar noutros detalhes, diz no seu artigo 5º, em que define as atribuições das Ordens profissionais, na alínea 1 d) que, é esta que atribui “A concessão, EM EXCLUSIVO, dos títulos profissionais”.

Sendo assim, como é possível haver duas Ordens distintas? A Ordem dos Engenheiros (OE) e a Ordem dos Engenheiros Técnicos (OET), em que cada uma delas tem o poder EXCLUSIVO na atribuição do título de Engenheiro.

De que forma o prestígio do título de “Engenheiro” pode ser defendido junto da sociedade civil?

A questão da fusão das ordens não obtém um consenso entre os Engenheiros, sendo que a maior divisão de opiniões é entre os Engenheiros formados antes do acordo de Bolonha e com licenciaturas de 5 anos.

Numa pequena sondagem feita em 2018 num grupo de Engenheiros no Facebook, numa amostragem de aproximadamente de 1000 engenheiros, votaram 127 engenheiros e a maioria (57%, 73 votos) foi a favor da união das 2 Ordens, mas em que 16% (21 votos) coloca condições.


O principio de dividir para conquistar (“divide et impera” ou “divide et vinces”) é um clássico nas estratégias de guerra para enfraquecer e subjugar os povos. O termo, embora já conhecido na Antiguidade, foi cunhado por Júlio César em seu livro” De Bello Gallico” (Guerra das Gálias), que explicou que para obter a vitória romana na guerra gaulesa era essencial promover uma política de “dividir” os seus inimigos e aliar com tribos individuais durante suas disputas com adversários locais. Esta estratégia também teorizada por Maquiavel em “O Príncipe”, sugere que a melhor maneira de obter vantagens é semear intriga entre aqueles que governam (ou que podem vir a governar) para conseguir a separação.

Seguramente não terá sido por uma teoria de conspiração, formulada com muita antecedência, que as duas actuais Ordens que representam os engenheiros, se formaram. A história é outra….. No fim, é a falta de visão e alguma desorientação dos próprios engenheiros que divididos em Engenheiros e Engenheiros Técnicos, fazem perdurar esta divisão que actualmente não faz sentido.


O prestígio atribuído ao título de “Engenheiro” vem de longe, dos tempos em que toda a engenharia era militar. Após 1790 os engenheiros formavam-se na Academia Real de Fortificação, Artilheria e Desenho, que deu lugar, em 1837, à Escola do Exército, onde se começou a leccionar um curso especificamente de Engenharia Civil.


A profissão de engenheiro civil destacou-se progressivamente da sua congénere militar e ganha identidade própria em Portugal durante o Fontismo, com a constituição, em 1864, no Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, do Corpo de Engenharia Civil e dos seus Auxiliares, composto por 115 engenheiros (a maior parte de origem militar), 18 arquitectos e 175 condutores de obra pública (formados pelos institutos industriais). A criação desta entidade deu imediatamente lugar a um conflito entre os seus filiados com os engenheiros militares do pré-existente Real Corpo de Engenheiros, a disputar entre si os lugares na administração pública. Em resultado, a nova entidade teve vida efémera e foi dissolvida em 1868. Os engenheiros nela agregados fundaram, no ano seguinte, em 1869, a Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, (AECP), a primeira associação portuguesa de engenheiros, que agregava também os engenheiros de minas, e, mais tarde, os engenheiros de máquinas, os electrotécnicos e os químico-industriais, especialidades com um protagonismo crescente na economia do Pais, nos finais do século XIX.


Entretanto, os condutores de obras públicas formados pelos institutos industriais constituem, em 1883, a Associação de Condutores de Obras Públicas (ACOP) e reclamam para si, em 1898, o título de “Engenheiros Auxiliares”, regressando ao conceito do Corpo de Engenharia Civil e dos seus Auxiliares, extinto trinta anos antes, e abrindo uma nova frente de conflito na guerra dos títulos. De facto, logo a seguir à implantação da República, o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa é dividido, e a vertente industrial é reestruturada por Alfredo Bensaúde segundo o modelo alemão da altura, dando origem ao Instituto Superior Técnico. O remanescente do Instituto Industrial de Lisboa, regenerando a vertente industrial, dá origem, em 1914, à Escola de Construções, Indústria e Comércio e retoma a designação Instituto Industrial em 1918, passando a leccionar, entre outros, cursos para auxiliares de engenheiros. A disputa pelo título de engenheiro reacende-se em 1924, quando já chegava ao mercado de trabalho um número significativo de diplomados do Instituto Superior Técnico, e é publicada uma lei que substitui a designação de “Condutor de Obras Públicas” pela de “Engenheiro auxiliar”. Quer os profissionais oriundos do novo ensino técnico superior, os novos engenheiros com formação universitária, quer os oriundos do então já existente ensino técnico médio, os Condutores, agora Engenheiros Auxiliares, consideram-se com direito ao uso do almejado título, sendo que só os primeiros são reconhecidos pela AECP.


No início dos anos 20 é sobre esta temática que parecem centrar-se as preocupações da AECP e é em defesa do uso exclusivo do título de Engenheiro que cerram fileiras os alunos do IST. A questão fica temporariamente suspensa, no que toca aos profissionais oriundos do ensino médio, em 1926, com a publicação de um decreto segundo o qual o título de “Engenheiro” passa a ser exclusivo dos oriundos do ensino superior, nomeadamente do Instituto Superior Técnico, de Lisboa, e da Faculdade de Engenharia do Porto, passando os diplomados por qualquer curso de ensino técnico industrial médio a ser designados por “Agentes Técnicos de Engenharia”. No entanto, a defesa do título de engenheiro e a disputa sobre quem o pode usar continuaram acesas, procurando os engenheiros da AECP limitar ou mesmo excluir do acesso ao mercado de trabalho os diplomados por escolas estrangeiras e os oficiais de artilharia.


Em 1936, com o regime corporativo instalado, o governo cede finalmente às insistentes petições da AECP e é criado, com a designação de Ordem dos Engenheiros, o Sindicado Nacional dos Engenheiros. Mas a defesa acérrima do exclusivo uso do título não desarma, e em 1940, a Ordem dos Engenheiros solicita superiormente a publicação de um diploma legal proibindo às firmas comerciais o uso das palavras “Engenheiro”, “Engenheiros” ou de “Engenharia” e, em 1942, não deixa de reclamar contra o emprego dessas designações no alvará que cria o “Sindicato Nacional dos Engenheiros Auxiliares, Agentes Técnicos de Engenharia e Condutores”.


Durante a vigência do Estado Novo o conflito pelo uso do título volta novamente ao lume brando, mas a convergência entre as competências e atribuições de engenheiros e agentes técnicos de engenharia vai fazendo o seu caminho: um decreto de 1967 consagra a autonomia dos agentes técnicos de engenharia, que passam a poder elaborar e subscrever projectos sem a tutela de um engenheiro, o que é reiterado pelo Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, no qual se determina que os projectos sejam elaborados e subscritos por arquitectos, engenheiros civis, agentes técnicos de engenharia civil e de minas e construtores civis diplomados.

Com o 25 de Abril a convergência de competências das duas profissões acentua-se, com a transformação dos institutos industriais de Lisboa e do Porto em institutos superiores de engenharia, o ISEL e o ISEP, que passam a conferir os graus de bacharel e licenciado. A velha temática reacende-se, agudizada pela alteração do título profissional dos “Agentes Técnicos de Engenharia”, para “Engenheiros Técnicos”.


A Ordem dos Engenheiros assiste, em 1978, à criação da APET – Associação Profissional dos Engenheiros Técnicos e, em 1999, à sua institucionalização como ANET – Associação Nacional dos Engenheiros Técnicos, e é, segundo ela própria, surpreendida, em 2011, com a aprovação, pela Assembleia da República, da Lei n.º 47/2011, que cria a Ordem dos Engenheiros Técnicos e aprova o respectivo estatuto.


A OE e OET têm estado, desde então, de costas voltadas, sem conseguirem entender-se. Ainda em 2009, a propósito da Lei 31/2009, de 3 de Julho, que aprovou o regime jurídico da qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projectos, pela fiscalização de obra e pela direcção de obra, revogando o já referido Decreto n.º 73/73, foi dada à OE e à então ainda ANET a oportunidade para estabelecerem um protocolo definindo as qualificações específicas dos engenheiros e engenheiros técnicos, mas elas não se conseguiram pôr de acordo. Sendo os referidos requisitos fixados por portaria.


Em 2011 a OE, que até então considerava imprescindível uma formação superior de ciclo longo (cinco anos) para o exercício da profissão de engenheiro, altera o regulamento interno para poder admitir como membros os detentores de licenciaturas pós-Bolonha (1.º ciclo), que envolvem apenas três anos de formação superior. Como, em Portugal a licenciatura pós-Bolonha de ciclo curto corresponde ao anterior bacharelato, esta alteração significa que, na prática, a ordem dos engenheiros passa a admitir como membros os engenheiros técnicos o que, como é óbvio, foi entendido pela OET como um ato hostil. Em resposta, a OET instaura um processo judicial contra a OE, pondo em causa a legalidade da nova modalidade de admissão, mas em 2015 o tribunal competente declara improcedente a reclamação da OET, confirmando o direito da OE à admissão de licenciados pós-Bolonha em Engenharia, e considerando não constituir exclusividade da OET a admissão pela OE daqueles licenciados.

Ainda em 2015, com a publicação da Lei n.º 41/2015, surgiu uma nova oportunidade para o estabelecimento de um acordo entre as duas ordens quanto às qualificações a exigir aos engenheiros responsáveis pela elaboração e subscrição de projectos, pela fiscalização e direcção de obra, mas a oportunidade foi novamente desaproveitada.

Com a admissão pela OE dos licenciados pós-Bolonha (o equivalente aos antigos bacharéis), a guerra dos títulos extingue-se, finalmente todos se intitulam de engenheiros e podem ser membros de qualquer uma das Ordens ou das duas, o que vem reforçar que a existência de uma só ordem seria a medida mais inteligente.


Na minha opinião, a união das 2 ordens tem vantagens evidentes, não somente por ser uma regularização legal do poder do Estado à associação profissional que representa os Engenheiros, mas igualmente por normalizar a voz representativa destes. Neste caso, estamos a falar de aproximadamente 45000 e 25000 associados da OE e da OET respectivamente, uma só voz e com mais associados tem seguramente uma maior capacidade de lutar pela defesa da classe e dos actos de engenharia, junto do Estado, das Universidades, da sociedade civil e profissional. Outra mais valia refere-se à economia evidente pelo facto de não haver custos de estrutura em duplicado, o que permitiria um reforço da autonomia financeira dos diversos colégios. Uma forma de ir ao encontro de muitas críticas existentes relativamente à falta de atribuição de verbas especificas para cada engenharia desenvolver programas específicos. Por fim, esta seria uma oportunidade para repensar na reorganização funcional e estatutária que a evolução técnica tem mostrado nos últimos anos, de forma a dar um salto qualitativo numa Ordem que representa os profissionais que mais contribuem para produção e evolução nacional.

Finalmente deixo a seguinte questão:

· Quem ganha com a divisão da classe dos Engenheiros?


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Joaquim Nogueira de Almeida



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