Joaquim Nogueira de Almeida

19 de abr de 20224 min

REABILITAÇÃO COMUM EM PORTUGAL

CASO PRÁTICO ​
 

SITUAÇÂO

Recentemente um familiar ligou-me a pedir opinião sobre uma questão de uma estrutura numa moradia que tinha comprado no Alentejo há uns anos e que estava a tentar reabilitar. Fez uma videoconferência e pede-me opinião sobre umas vigas de apoio de uma laje de vigotas que anteriormente estariam por cima de umas paredes de tijolo e que por terem sido demolidas, agora estavam "sem apoio".

Fiquei logo com os cabelos em pé. As ditas vigas, talvez com uns 12-15 cm de largura e uma altura que não chegava a 10cm abaixo da laje pareciam-me insuficientes para aguentar o peso da laje. Perante o cenário dei indicações para imediatamente escorar a viga com vários prumos metálicos até se estudar uma solução. Entretanto pedi que ele fizesse uma ronda geral ao estado da obra para eu perceber o esquema estrutural existente e poder eventualmente dar uma opinião mais global sobre o estado da moradia.

Se já tinha ficado alarmado pela situação das "vigas" de betão sem apoios, depois de uma análise noutros locais fiquei em pânico. Descobri que havia anteriormente uma parede mestra de adobe e que seguia atá à cumeeira do telhado, servindo de suporte à estrutura de madeira da cobertura, e que tinha sido demolida ao nível do R/C, mas que continuava no nível do sótão. Clarificando, tinha uma parte de parede de adobe, numa extensão de uns 4 m suspensa no ar.

A BREVE HISTÓRIA

O imóvel foi comprado para servir de casa de “campo” já com o objectivo de ser reabilitada, pela sua degradação e falta de condições para o conforto da vida actual. O Dono de Obra (DO), um alto quadro de uma multinacional, acabou por entregar a obra de “reabilitação” a um empreiteiro que depois de receber o adiantamento e ter feito algum trabalho, acabou por abandonar a obra pior do que estava e com evidente prejuízo financeiro do DO. Tendo executado a obra sem respeitar minimamente os preceitos da resistência de estruturas e da arte de bem construir.

Posteriormente, o DO para “agarrar” melhor o processo, decide contratar uns projectistas (arquitectura e estruturas), para a execução dum projecto de Reabilitação.

Com este projecto, o DO decide ele próprio iniciar a obra por administração directa, contratando uns emigrantes para executar a obra, apesar dos projectos de licenciamneto terem sido feitos sem uma visita à obra dos projectistas.

Foi exactamente antes deste reinício da obra que o DO acabou por me ligar para pedir-me “um conselho”.

ANÁLISE

Acredito que a maior parte das obras de “reabilitação” passem por processos semelhantes, continuando a saga de denegrir a Indústria da Construção Civil, especialmente dos empreiteiros, mas também dos projectistas.

Porque será?

Porquê é que um alto quadro de uma multinacional, formado em engenharia e trabalhando há anos no maior rigor técnico e ético, decide na reabilitação de uma casa sua, enveredar por um caminho de contratação de empreiteiros tão irresponsáveis e mesmo depois de uma 1ª má experiência, de projectistas que nem sequer visitaram a obra?

Porquê é que há milhares de pequenos empreiteiros, que têm um alvará para poderem “Reabilitar” edifícios executando as maiores atrocidades do ponto de vista técnico?

Onde estão os Técnicos responsáveis por esses alvarás?

Como é possível punir esta irresponsabilidade técnica e contratual?

Porquê é que projectistas experientes aceitam fazer projectos de “Reabilitação” sem sequer ter ido ao local verificar o estado do edifício?

Facilitismo, irresponsabilidade e vontade de poupar no essencial.

Este é o estado da arte da “Reabilitação” mais comum em Portugal.

Bem sei que em obras grandes e até em algumas pequenas, outra realidade se passa e um correcto caminho é traçado.

Infelizmente entre os casos que me vêm relatando até este recentemente vivido, chego à conclusão de que não há uma cultura de bem “Reabilitar” sendo dado uma grande atenção à cosmética final mas não à estrutura de suporte.

A culpa aparentemente são de todos os actores, a começar pelos Donos de Obra que ou não têm consciência das necessidades técnicas ou porque não são obrigados a cumprir uma série de normas ou porque simplesmente a tentação de poupar algum dinheiro é demasiado grande, de seguida temos os Projectistas que muitas vezes encontram uma forma de fazerem mais um projecto sem quererem ter o trabalho extra e respectivo custo de levantamento do estado da obra existente, até aos Empreiteiros que não têm experiência neste tipo de obras, não têm técnicos qualificados para a mesma e muitas vezes facilitam para poupar algum dinheiro, por fim temos o Estado, que não regulamenta nem FISCALIZA devidamente esta actividade, sabendo que a reabilitação é cada vez mais uma forma de manter o patrimônio actualizado, muitas vezes mesmo uma solução obrigatória.

PERGUNTA FINAL

Como poderemos mudar este estado de situação?

Joaquim Nogueira de Almeida

Joaquim.N.Almeida@gmail.com

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NOTA: Este artigo foi originalmente publicado na Revista Anteprojectos em Novembro de 2021

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